quarta-feira, 3 de julho de 2013

Lawrence Krauss: "Deus se tornou redundante"

"We cannot rely on what we perceive to be sensible; we have to rely on what the universe tells us is sensible. What we have to do is force our beliefs to conform to the evidence of reality, rather than the other way around." Lawrence Krauss
Lawrence Krauss
O cosmólogo Lawrence Krauss, um dos maiores divulgadores da ciência atualmente, autor do livro A Universe From Nothing. Why There Is Something Rather Than Nothing, deu uma entrevista para revista época em 2012, que segue abaixo.

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FONTE: Revista Época

ÉPOCA – O que aprendemos sobre a origem do Universo, graças ao avanço da ciência, tornou obsoleta a crença em Deus?
Lawrence Krauss – Até o século XVI, a religião detinha o monopólio da explicação dos mistérios da criação. A responsabilidade pela criação de tudo era divina, e ai de quem duvidasse! Aquele monopólio da fé começou a ser solapado a partir da obra de Copérnico (Nicolau Copérnico, astrônomo polonês do século XV) e a de Galileu (Galileu Galilei, astrônomo italiano do século XVI), que substituíram o milagre metafísico pela realidade física. Quando, há 300 anos, Newton (Isaac Newton, físico e matemático inglês do século XVII) explicou que o movimento dos planetas podia ser compreendido por meio de leis físicas bem simples que não requeriam a intromissão dos anjos, tudo mudou. O avanço da física, da química e da biologia nos fez desvendar o funcionamento da matéria e dos fenômenos biológicos. Ao mesmo tempo, esse avanço foi reduzindo o alcance do termo milagre até deixá-lo restrito ao que teria existido antes do big bang, a explosão primordial que criou o Universo há 13,7 bilhões de anos. Agora, o milagre divino perdeu esse último bastião. A cosmologia do século XX chegou ao ponto em que podemos falar sobre a criação e a evolução de todo o Universo, um tema que não é mais do domínio exclusivo da teologia.

ÉPOCA – Os religiosos sempre disseram que há algumas questões fundamentais para as quais nenhuma teoria científica jamais encontrou respostas. Ainda não é o caso?
Krauss – Não é nem nunca foi o caso. A religião alegava ter as respostas para as perguntas mais básicas do Universo e da vida antes mesmo de essas perguntas terem sido feitas. A religião também afirma que suas respostas são verdades inquestionáveis. Ora, nós, cientistas, somos movidos pela dúvida. O que move nossa curiosidade é a busca de respostas para os mistérios da natureza. Sabemos que não temos todas as respostas e que as respostas que temos não são verdades definitivas. Que questões ficariam sem resposta? Só o tempo e o esforço concentrado de pesquisa dirão. Por isso, não podemos nos deixar satisfazer com as respostas científicas já reveladas nem descansar sobre os louros conquistados, relegando a busca de novas respostas que tenham o poder de revelar uma visão mais profunda da natureza.

ÉPOCA – Os religiosos afirmam que a humanidade jamais descobrirá as verdades mais fundamentais, como a origem do Universo e como surgiu a vida.
Krauss – Jamais saberemos se essas são de fato verdades inatingíveis se não tentarmos elucidá-las. Os religiosos afirmam que conhecem as verdades fundamentais... É inacreditável. Eles afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual. A ciência lida muito bem com a existência de mistérios à espera de ser revelados. Sempre haverá perguntas sem resposta e mistérios a descobrir. Os milagres se tornaram obsoletos.

ÉPOCA – A ciência ensina que o Universo começou com o big bang e que antes dele não havia nada.
Krauss – A ciência nos ensina que houve um big bang, mas não diz o que havia antes. Em meu livro, explico por que, com base nos conhecimentos de ponta atuais, é plausível imaginar a hipótese de que o Universo tenha surgido a partir do nada. E, a partir do nada, o Universo teria evoluído por meio de processos naturais que levaram à formação de átomos, moléculas, estrelas, planetas, galáxias e vida.

ÉPOCA – Como o Universo surgiu do nada?
Krauss – Nosso Universo tem todas as características de um universo criado a partir do nada. Uma das descobertas mais notáveis da física moderna é que o vácuo espacial não é vazio. O vácuo pode ser inteiramente vazio de matéria, mas não de energia. Se pudéssemos observar o vácuo em dimensões infinitamente pequenas e lapsos de tempo infinitamente curtos, muito menores e mais curtos do que a tecnologia atual é capaz de fazer, veríamos que o vácuo é tudo, menos estático, e que nele partículas pipocam a partir do nada e desaparecem instantaneamente. Em determinadas condições, entretanto, essas partículas virtuais não precisariam necessariamente desaparecer. Elas poderiam não só continuar existindo, como se multiplicar, dando origem a um big bang e a um novo universo em expansão. A evidência de que isso pode ter sido realmente o caso da origem de nosso Universo é um feito notável.

ÉPOCA – Aconteceu apenas uma vez? O pipocar de partículas não poderia ter criado outros universos?
Krauss – Sim, tudo leva a crer que é o caso, embora não tenhamos como provar. Podemos viver num “multiverso”. Nosso Universo pode ser apenas um entre infinitos outros de um “multiverso que é eterno e infinito”.


ÉPOCA – Os religiosos afirmam que Deus é anterior ao Universo e existiria antes do big bang.
Krauss – O principal problema dessa noção da criação é que ela requer a existência de alguma coisa que anteceda o Universo, de modo a poder criá-lo. É aí que quase sempre entra a noção de Deus, alguma entidade que existiria em separado do espaço, do tempo e da realidade física. Para mim, Deus não passa de uma solução semântica fácil para uma questão tão profunda como a criação. Os religiosos nunca tocam na questão da criação de Deus, pois essa é ainda mais confusa do que a solução religiosa que deram para a criação do Universo. Para os religiosos, Deus simplesmente existe, não importando quantas e quão fortes sejam as evidências que a ciência fornece para indicar a extrema improbabilidade de tal coisa ser verdade.

ÉPOCA – O Universo se expandirá para sempre? Num futuro remoto, as galáxias desaparecerão, as estrelas evaporarão e o cosmos voltará ao nada? Saber disso não torna a vida sem sentido?
Krauss – A vida não precisa ter nenhum sentido, a não ser aquele que damos a ela. Por que ficarmos deprimidos? Para mim, essa é uma imagem revigorante. Justamente porque a vida é efêmera, todos nós deveríamos tirar o máximo proveito do breve momento que desfrutamos sob o sol. Deveríamos aproveitar ao máximo o fato de evoluirmos com uma consciência que nos possibilita apreciar a beleza do cosmos, ao mesmo tempo que buscamos melhorar a vida na Terra. Prefiro viver num universo onde a vida é breve e preciosa a noutro onde o sentido da vida nos é ditado por um Saddam Hussein dos céus!

ÉPOCA – O senhor diz que vivemos num momento especial da história do Universo. Como assim?
Krauss – O Universo tem 13,7 bilhões de anos. Ele é muito antigo. Quando olhamos o infinito futuro a nossa frente, o Universo ainda é muito jovem. Todas as evidências de que um dia há 13,7 bilhões de anos aconteceu um big bang ainda podem ser vistas por meio de nossos observatórios astronômicos. É o que acontece quando os astrônomos verificam que todas as galáxias estão se afastando cada vez mais rápido umas das outras. Num futuro distante, as galáxias estarão tão longe de nossa Via Láctea que não poderão mais ser observadas. Elas desaparecerão no breu cósmico. Para todos os efeitos, será como se jamais tivessem existido. Uma civilização que viva num planeta da Via Láctea naquele futuro jamais saberá como o Universo surgiu.

ÉPOCA – Para entender e aceitar a origem do Universo como descrita pela ciência, é preciso ter bom nível cultural e intelectual, pois não se trata de conceitos simples. A religião lida com conceitos que podem ser apreendidos por qualquer criança.
Krauss – Ninguém precisa ser um especialista em cosmologia para apreciar o panorama do surgimento e da evolução do Universo, da mesma forma como não é preciso ser músico para apreciar a música de Bach (que, aliás, era muito complexa!). Sim, as versões da ciência são mais complicadas que as da religião, mas também são muito mais interessantes. O Universo tem uma imaginação muito maior que a nossa e seus fenômenos que observamos, como a explosão de supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais fascinantes do que os contos de fadas criados por gente que viveu há milhares de anos, muito antes de descobrirmos que a Terra orbita o Sol e que não estamos no centro do Universo.

ÉPOCA – Nos últimos anos, muitos cientistas e intelectuais começaram a defender a bandeira do ateísmo. É o caso de dois célebres ingleses, o biólogo Richard Dawkins e o físico Stephen Hawking. O senhor pertence a esse movimento?
Krauss – Acho que sim. As pessoas com frequência me colocam ao lado de Dawkins e Hawking, o que me enche de orgulho. Mas prefiro pensar em mim não como um ateu, e sim como um antiteísta. Não posso provar sem sombra de dúvidas que Deus não existe, mas posso afirmar que preferiria muito mais viver num universo em que ele não exista.

ÉPOCA – Deus se tornou irrelevante para a humanidade?
Krauss – Porque eu penso que Deus é uma invenção da humanidade, minha resposta é não. Se existisse um Deus, ele certamente teria deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos logo depois de criá-lo, há 13,7 bilhões de anos, pois tudo o que aconteceu desde então pode ser explicado pela ciência. Não, Deus talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.