terça-feira, 27 de agosto de 2013

Não tome suas vitaminas

por Paul A. Offit
Tradução: Felipe Nogueira Barbara
Fonte: NYTimes

Mês passado [Maio de 2013], Katy Perry compartilhou seu segredo de boa saúde com seus 37 milhões de seguidores no Twitter. "Eu sou tudo sobre suplementos e vitaminas" escreveu a popstar, postando uma foto dela segurando três sacos grandes de comprimidos. Há, entretanto, um fato perturbador sobre vitaminas que Katy não mencionou.

Derivadas de "vita", significado de vida em Latin, vitaminas são necessárias para converter alimentos em energia. Quando não se obtêm a quantidade necessária de vitaminas, as pessoas adoecem com escorbuto e raquitismo.  A pergunta não é se as pessoas precisam de vitaminas. Elas precisam. As perguntas são o quanto de vitaminas precisam, e elas obtêm o necessário nos alimentos?

Especialistas em nutrição argumentam que as pessoas precisam apenas dos limites diários recomendados - a quantidade de vitaminas encontrada numa dieta de rotina. Fabricantes de vitaminas argumentam que uma dieta regular não contém vitaminas o suficiente, e que mais é melhor. A maioria das pessoa assume que, pelo menos, excesso de vitaminas não faz mal nenhum. Acontece que, entretanto, cientistas sabem há anos que grandes quantidades de suplemento de vitaminas podem ser bem nocivas, na verdade.

Em um estudo publicado em 1994 no The England Journal of Medicine, 29000 homens finlandeses, todos fumantes, receberam diariamente vitamina E, beta caroteno, ambos ou placebo. O estudo descobriu que aqueles que tomaram beta caroteno por cinco até oito anos tinham mais chances de morrer por câncer de pulmão ou doença cardíaca.

Dois anos depois o mesmo periódico publicou outro estudo sobre suplementos de vitamina. Nesse estudo, 18000 pessoas com um risco maior de câncer de pulmão por causa de exposição a amianto ou tabagismo receberam uma combinação de vitamina A e beta caroteno, ou placebo. Investigadores interromperam o estudo quando encontraram que o risco de morte por câncer de pulmão para aqueles que tomaram as vitaminas foi 46% maior.

Então, em 2004, uma revisão de 14 ensaios clínicos randomizados feita pela Cochrane Database encontrou que suplementos de vitamina A, C, E, e beta caroteno, e um mineral, selênio, tomados para prevenir cânceres intestinais, na realidade aumentaram a mortalidade.

Outra revisão, publicada em 2005 no Annal of Internal Medicine, encontrou que, em 19 ensaios clínicos com quase 136000 pessoas, suplemento de vitamina E aumentou a mortalidade. Nesse mesmo ano, um estudo com pessoas com doença vascular ou diabetes encontrou que vitamina E aumenta o risco de falha cardíaca. E em 2011, um estudo publicado no Journal of the American Medical Association associou vitamina E com um risco maior de câncer de próstata.

Finalmente, no ano passado, uma revisão da Cochrane encontrou que "beta caroteno e vitamina E parecem aumentar mortalidade, e altas doses de vitamina A podem fazer o mesmo".

O que explica essa conexão entre suplementos de vitaminas e aumento nas taxas de mortalidade e câncer? A palavra chave é antioxidante.

Antioxidante vs oxidação já foi classificada como uma disputa entre o bem e o mal. Acontece nas organelas celulares chamadas de mitocôndria, onde o corpo converte alimento em energia, um processo que requer oxigênio (oxidação). Uma consequência da oxidação é a geração de escavadores atômicos chamados radicais livres (mal). Radicais livres podem danificar o DNA, membranas celulares, as linhas das artérias; não surpreendente, eles foram ligados a envelhecimento, câncer e doenças cardíacas.

Para neutralizar radicais livres, o corpo faz antioxidantes (bem). Antioxidantes também podem ser encontrados em frutas e vegetais, especialmente em selênio, beta caroteno e vitaminas A,C e E. Alguns estudos mostraram que pessoas que as pessoas que comecem mais frutas e vegetais têm menor incidência de câncer e de doenças cardíacas e vivem mais. A lógica é óbvia. Se frutas e vegetais contém antioxidantes, e as pessoas que comem frutas e vegetais são mais saudáveis, então as pessoas que tomarem suplementos de antioxidantes também deverão ser mais saudáveis. Mas não tem sido dessa maneira.

A provável explicação é que radicais livres não são tão maldosos como se pensava.(De fato, as pessoas precisam deles para matar bactéria e eliminar novas células cancerígenas). E quando as pessoa comem altas doses de antioxidante na forma de suplemento de vitaminas, o balanço entre a produção de radicais livres e destruição pode ir muito numa direção, causando um estado não natural onde o sistema imunológico é menos hábil em matar invasores danosos. Pesquisadores chamam isso de o paradoxo dos antioxidantes.

Como estudos com altas doses de suplemento de antioxidantes não apoiaram claramente o seu uso, respeitadas organizações responsáveis pela saúde pública não os recomendam para pessoas saudáveis.

Por que não sabemos disso? Por que oficiais da Food and Drug Administration (F.D.A.) [órgão que regula alimentos e drogas nos EUA] não se certificaram que estávamos cientes dos riscos? A resposta é que eles não podem.

Em Dezembro de 1972, preocupados que as pessoas estavam consumindo grandes quantidades de vitaminas, a F.D.A. anunciou um plano para regular suplementos vitamínicos contendo mais que 150 porcento do limite diário recomendado. Fabricantes de vitaminas teriam que provar que essas "megavitaminas" eram seguras antes de venderem. Não surpreendente, a indústria da vitamina viu isso como ameaça, e organizou a destruição desse plano. No final, fez mais do que isso.

Executivos da indústria recrutaram William Proxmire, um senador Democrata de Wisconsis, para introduzir um projeto de lei prevenindo a F.D.A. de regulamentar megavitaminas. Em 14 de Agosto de 1974, a audiência começou.

Apoiando a regulamentação da F.D.A. estava Marsha Cohen, uma advogada da Consumers Union. Dispondo oito melões na frente dela, ela disse, "Você teria que comer oito melões - uma boa fonte de vitamina C - para adquirir 1000 miligramas de vitamina C. Mas esses dois comprimidos apenas, simples de engolir, contém a mesma quantidade." Ela avisou que se a legislação passasse, "um tablete conteria a mesma quantidade de vitamina C de todos esse melões, ou até o dobro, ou o triplo ou 20 vezes tal quantidade. E não teria nível protetor de saciedade". Cohen estava mencionando o calcanhar de Aquiles da indústria: ingerir grandes quantidades de vitamina não é natural, o oposto que os fabricantes estavam promovendo.

Mais de um mês depois, o projeto de lei de Proxmire passou por uma votação de 81 a 10. Em 1976, virou lei. Décadas depois, Peter Barton Hutt, conselheiro-chefe da F.D.A., escreveu que "foi a derrota mais humilhante" na história da agência.

Como resultado, consumidores não sabem que tomar megavitaminas pode aumentar o risco de câncer, de doenças cardíacas e encurtar suas vidas; eles não sabem que estão sofrendo muito de uma coisa boa por muito tempo.




segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Por que mudei de opinião sobre homeopatia

por Edzard Ernst
Tradução: Felipe Nogueira Barbara
Fonte: The Guardian

Homeopatia me intriga por vários anos; de certa forma, eu cresci com ela. O médico da nossa família era um homeopata, e meu primeiro trabalho como médico júnior foi em um hospital homeopata alemão. Nas últimas duas décadas, eu investiguei homeopatia cientificamente. Durante esse período, a evidência tornou-se mais e mais negativa, e agora está bem claro que remédios homeopáticos altamente diluídos são puramente placebos. 

Dois axiomas principais constituem os princípios centrais da homeopatia. O princípio "similar cura similar" afirma que, se uma substância causa um sintoma (p.e., cebola faz meu nariz escorrer), então essa substância pode curar uma doença que é caracterizada por nariz escorrendo (p.e, alergia ou resfriado comum). O segundo princípio assume que o processo de diluição serial usada para remédios homeopáticos tornam-os não menos mas mais potentes (por isso homeopatas chamam esse processo "potenciação"). 

Ambos axiomas são contrários à ciência. Se fossem verdadeiros, muito do que aprendemos em física e química estariam errados. Se uma pessoa mostrar que os conceitos da homeopatia estão corretos, ela se torna uma séria candidata a um ou dois prêmios Nobel. Homeopatas frequentemente dizem que apenas não descobrimos como a homeopatia funciona. A verdade é que sabemos que não há explicação científica concebível que poderia explicar a homeopatia.

Ainda assim, como médico aproximadamente 30 anos atrás, eu estava impressionado com os resultados alcançados pela homeopatia. Muito dos meus pacientes pareciam melhorar dramaticamente após receberem tratamento homeopático. Como isso era possível? 

Para entender essa aparente contradição, temos que dar um passo para trás e entender as complexidades da resposta terapêutica. Quando um paciente ou um grupo de pacientes recebe um tratamento médico e subsequentemente percebe melhorias, nós automaticamente assumimos que a melhoria foi causada pela intervenção. Essa falácia lógica pode ser bem enganadora e tem impedido progresso na medicina por centenas de anos. É claro que pode ter sido o tratamento - mas há também outras diversas possibilidades. 

Por exemplo, a condição pode ter melhorado sozinha. Ou o encontro entre o terapeuta e o paciente pode ter sido terapêutico sem que o tratamento tenha contribuído significativamente. Ou o paciente poderia estar com altas expectativas no tratamento que promoveu uma poderosa resposta placebo. Ou o paciente auto-administrou outros tratamentos concomitantes que causaram a melhoria. 

Por causa dessas complexidades, precisamos conduzir ensaios clínicos que diferenciam efeitos específicos e não específicos de um tratamento. Em tais estudos, um grupo de pacientes recebe tratamento experimental (p.e, tratamento homeopático) e outro grupo recebe um placebo. Se bem desenhados, esses estudos expõem o grupo experimental aos efeitos específicos mais todos os efeitos não específicos de uma intervenção, já que o grupo controle é exposto precisamente a mesma variação e quantidade dos efeitos não específicos, mas não ao efeito específico do tratamento que está sendo testado. Nessa situação, qualquer diferença de resultado em os dois grupos foi causada por efeitos específicos.* 

Aproximadamente 200 ensaios clínicos de remédios homeopáticos estão disponíveis até hoje. Com um número dessa grandeza, não é surpreendente que os resultados não são inteiramente uniformes. Seria fácil "contar cerejas" e selecionar apenas os achados que a pessoa já gosta (e alguns homeopatas fazem justamente isso) Mas, se quisermos saber a verdade, precisamos considerar a totalidade dessa evidência e pesá-la de acordo com o seu rigor científico. Essa abordagem é chamada de revisão sistemática. Mais de uma dezena de revisões sistemáticas de homeopatia já foram publicadas. De forma quase uniforme, eles chegaram a conclusão que remédios homeopáticos não são diferentes de placebo.

Muitos homeopatas aceitam relutantemente esse cenário, mas afirmam que a experiência clínica deles é mais importante que a evidência de ensaios clínicos. Pacientes que consultam homeopatas ficam melhores e estudos observacionais mostraram isso ad nauseam. Homeopatas insistem que isso é uma evidência que é mais importante daquelas oriundas de ensaios clínicos. Mas há realmente uma contradição? 

A experiência é real, é claro, mas não estabelece causalidade. Se dados observacionais mostram melhorias enquanto ensaios clínicos nos dizem que remédios homeopáticos são placebos, a conclusão que encaixa confortavelmente com esses fatos é a seguinte: pacientes melhoram, não pelo remédio homeopático, mas por um efeito-placebo e por uma consulta demorada com um clínico compassionante. Essa conclusão não é apenas lógica, é também apoiada por dados. Homeopatas de Southampton demostraram recentemente que é a consulta, e não o remédio, o elemento que melhora os resultados clínicos de pacientes após consultarem um homeopata. 

Um dos meus professores na escola de medicina vivia nos dizendo: "Qualquer tratamento que não faz mal aos pacientes não pode ser tão ruim". Como não contém nenhum ingrediente ativo, remédios homeopatas altamente diluídos são livres de efeitos colaterais. Então, por essa perspectiva, homeopatia pode ainda ser aceitável. Esse talvez seja o debate mais difícil sobre homeopatia; há obviamente argumentos razoáveis de todos os lados. Mas antes de definir sua opinião, considere os seguintes aspectos:

- Efeitos placebo são notoriamente não confiáveis; pacientes que se beneficiam hoje pode não se beneficiar amanha. Efeitos placebo tendem a ser pequenos e de curta duração. 

- Prescrever conscientemente placebo aos pacientes seria antiético na maioria dos casos. Ou o clínico fala a verdade (p.e, "isso é um placebo"), no qual o efeito provavelmente desaparecerá, ou eles não falam, onde são mentirosos. 

- Prescrever placebo para um paciente com uma séria condição que é tratável de outra maneira coloca seriamente a saúde desse paciente em perigo. 

- Para promover uma resposta placebo em um paciente, não precisamos administrar um placebo. Todos os tratamentos vem com a cortesia do efeito placebo desde que os clínicos administrem-os com compaixão e empatia. Então, por que confiar apenas na parte da resposta terapêutica?  Isso não é ruim para o paciente? 

Minha jornada pessoal dentro e fora da homeopatia pode ser confusa. Eu sempre soube que os princípios da homeopatia são contrários à ciência. Mas eu via resultados positivos e pensava que havia algum fenômeno fundamental a ser descoberto. O que eu descobri não foi fundamental mas mesmo assim importante: pacientes podem apresentar melhorias oriundas de efeitos não específicos. Isso é a razão pela qual eles melhoram após se consultarem com um homeopata - mas isso nada tem a ver com os comprimidos de açúcar da homeopatia.  

*Nota do Tradutor: Um ensaio clínico bem desenhado é randomizado e, no mínimo, duplo cego. Randomizado quer dizer que os pacientes são aleatoriamente distribuídos entre os grupos placebo e tratamento. Quando o paciente não sabe se ele está no grupo placebo ou tratamento, mas o médico sabe, o estudo é cego. É necessário cegar o paciente, já que, se o paciente sabe que está recebendo um placebo, há grandes chances do efeito placebo desaparecer. Quando o médico e o paciente não sabem quem está em qual grupo, o estudo é duplo-cego. A necessidade de cegar o médico se deve ao fato que, ao saber quem está tomando placebo ou não, ele pode introduzir um viés, submetendo os grupos a diferentes efeitos não específicos. Há ainda o estudo triplo-cego:  paciente, o médico e o estatístico não sabem quem está em cada grupo, aumentando a imparcialidade na análise dos dados. Por fim, um estudo quádruplo-cego oculta a identificação dos grupos também para os responsáveis por escrever os resultados até o término do rascunho. A maioria dos ensaios clínicos bem desenhados que testam eficácia de um tratamento (com dois ou mais grupos, sendo um placebo) são duplo-cego.