domingo, 16 de março de 2014

Contrata como o Google? Para maioria das empresas, não é uma boa ideia

por Christopher Chabris e Jonathan Wai
Tradução: Felipe Nogueira
Fonte: LaTimes

O chefe de recursos humanos do Google, Lazlo Bock, criou um alvoroço com o seu anúncio no ano passado de que a empresa de tecnologia tinha mudado a maneira de contratar seus funcionários. As perguntas quebra-cabeça que muitos candidatos abominavam foram eliminadas. Também foi eliminada, pelo que parece, qualquer preocupação em descobrir o nível de inteligência dos aplicantes. "CRs são inúteis como critério de contratação, notas de prova são inúteis..."*

Vamos confiar na palavra de Bock e assumir que a empresa obcecada por dados analisou os números rigorosamente e encontrou que as notas de seus funcionários não predizem a performance deles no trabalho. Se a Google ranqueia suas novas contratações pelas suas pontuações SAT e encontrou que os 10% dos funcionários localizados no final da lista tem performance equivalente a dos 10% do início da lista, isso quer dizer que as métricas tradicionais de inteligência são inúteis no mundo dos negócios?

Infelizmente para Bock e seus admiradores, que vão desde Thomas Friedman até Rush Limbaugh, a resposta é não, e outras empresas cometerão um erro se seguirem o Google.

Aqui está o porquê. Primeiro, décadas de pesquisa quantitativa na área de psicologia pessoal têm mostrado que, para diversos empregos, métricas de "habilidade cognitiva geral" - que é uma outra maneira de referenciar o antigo conceito de inteligência ou QI - são consistentemente as melhores maneiras que empregadores tem para prever quais novos empregados acabarão com as melhores avaliações de performance ou com os melhores planos de carreira. Não devemos nos precipitar e assumir que o Google, com seus dados privados, refutou todo esse trabalho subitamente.

Como pode o Google não ver nenhuma correlação entre QI e performance na empresa?  Pela mesma razão que, digamos, não há correlação entre altura e pontuação no basquete profissional. Na média, o jogador da NBA tem quase 2 metros de altura, o que o torna mais alto que 99% dos homens adultos nos Estados Unidos. A NBA já seleciona seus jogadores baseado na altura, e seleciona pessoas atípicas. Esses jogadores da NBA já são todos muito altos, o que significa que outros fatores, e não a altura, explicam a pontuação. Mas se um time de jogadores da NBA jogar contra caras aleatórios, a altura fará toda a diferença.

Nas ciências sociais, isso é conhecido como o problema da restrição do intervalo (range restriction). Quando pessoas são medidas em uma dimensão (altura) que não varia muito (na NBA, quase todos são muito altos), essa dimensão não irá explicar como essas pessoas se saem em uma outra dimensão (pontuação). E os funcionários do Google são um exemplo típico de livro-texto de restrição de intervalo - não em altura, mas em QI.

Bock afirmou que a fração das pessoas no Google grau universitário aumentou com o tempo e agora chega até 14% em alguns times de produtos. Isso significa, entretanto, que mais de 86% das pessoas na Google possuem graduação (ou mais), e a maioria vem de universidades de elite. Como um ex-funcionário do Google observou no Quora**, pode até ocorrer um excesso de habilidade: "há estudantes das 10 melhores universidades que estão fornecendo suporte técnico para os produtos de propaganda do Google, ou excluindo manualmente conteúdos marcados no Youtube".

Essas instituições altamente seletivas, por definição, já filtraram estudantes com base nas notas do ensino médio (CR e notas em provas padronizadas*). Google usa, de fato, a presença nessas faculdades como critério de contratação, então Bock - que possui grau obtido na Universidade de Yale - está usando CRs e notas de provas quer ele reconheça ou não. 

E em relação aos Googlers sem grau universitário? É verdade que, no mundo da programação, um grau universitário não é um ingresso garantido, mas uma clara demonstração de competência. O Facebook usa a Kaggle Recruit - uma competição de programação de soluções de problemas de software do mundo-real - para encontrar pessoas para seu time de dados. Microsoft fez a Code4Bill (Gates), uma busca por talentos na Índia que avaliou habilidades analíticas de codificação, e atualmente possui a Imagine Cup. 

O Google tem o seu anual Code Jam, uma competição mundial de programação onde qualquer pessoa de qualquer idade pode mostrar que tem talento. O evento acontece desde 2003 e, em 2012, o campeão foi Jakub Pachocki da Polônia, que venceu a concorrência de 35000 competidores, ganhando U$10.000 e uma provável oferta de emprego do Google. Em uma entrevista, Pachocki descreveu a competição como "mais parecida com trabalho matemático ou resolver quebra-cabeças lógicos". Para vencer o Code Jam, então, você não precisa de um grau universitário, mas precisa de uma extraordinária habilidade cognitiva. Nesse sentido, os 14% do Google podem não ser muito diferente dos seus outros 86%. 

Pesquisadores sabem há um tempo que provas padronizadas - independente de como elas são divulgadas e comercializadas - medem principalmente habilidade cognitiva geral, que é altamente preditiva de sucesso educacional e profissional na população em geral. Um número bem pequeno de empresas no topo de suas indústrias - como o Google em tecnologia - tem o luxo de ignorar ou minimizar esses fatores, porque seus candidatos já vem pré-selecionados pela alta inteligência. Para essas empresas, inteligência pode não importar tanto quanto liderança, criatividade, conscienciosidade, habilidade sociais e outras virtudes, quando o funcionário já está contratado.

O resto do mundo dos negócios não deve ir na onda do Google. Todas essas outras qualidades importam e as mais importantes podem variar de empresa para empresa e com o tipo de trabalho. Mas ter uma ideia de o quão bem o candidato pensa abstratamente, soluciona problemas novos e aprende novas coisas é importante independente do trabalho e da situação. Essas qualidades são precisamente o que habilidade cognitiva geral é, independente do rótulo que receba. Se você ignora inteligência ao contratar, está fazendo isso por sua própria conta e risco.

Notas do Tradutor:
* Nos Estados Unidos, o coeficiente de rendimento (CR) é conhecido como GPA (Grade Point Average). Há também duas provas padronizadas, SAT e ACT, elaboradas por empresas privadas distintas. Essas provas são usadas por universidades como critério de admissão.
** Quora é um site/rede social de perguntas e respostas.
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Christopher Chabris é um psicólogo americano e co-diretor do Programa de Neurociência do Union College. Chabris é conhecido como co-autor (com o psicólogo Daniel Simons) do famoso livro O Gorila Invisível. O título do livro tem a ver com o conhecido experimento de atenção seletiva, que pode ser visto no Youtube aqui.
Jonathan Wai é psicólogo, pesquisador do Programa de Identificação de Talentos da Universidade de Duke e seu interesse é a psicologia da criatividade e intelecto.