sábado, 7 de novembro de 2015

Entrevista com Dr. Chris French

por David Webb
tradução: Felipe Nogueira
Fonte: http://www.all-about-psychology.com/chris-french.html

Chris French, Ph.D., é professor de psicologia e diretor da Unidade de Pesquisa de Psicologia Anomalística em Goldsmiths, na Universidade de Londres. Ele é renomado por sua pesquisa na psicologia da crença no paranormal, especialmente no seu trabalho que oferece explicações não paranormais para experiências consideradas paranormais (percepção extrassensorial, telecinese, leituras psíquicas, cura espiritual, medicina alternativa e complementar, experiências extracorpóreas e de quase-morte, astrologia e outras técnicas divinatórias, reencarnação, OVNIs e abduções alienígenas, fantasmas e espíritos demoníacos, poder do cristal e dowsing, etc). 

Consultor especial e ex-editor chefe da The Skeptic Magazine, a principal e mais antiga revista cética do Reino Unido, Professor French é frequentemente chamado pela mídia para oferecer uma perspectiva psicológica sobre várias afirmações paranormais. Ele também é colunista das páginas online de ciência do jornal Guardian

O que fez você perseguir um interesse acadêmico na psicologia das crenças paranormais? 
Afirmações paranormais sempre me fascinaram. Até meus 20 anos, na verdade, eu acreditava em muitos fenômenos paranormais. Foi lendo um livro específico no início dos anos 80, Parapsychology: Science or Magic? escrito por James Alcock, que meus olhos abriram para o fato de que existem plausíveis explicações não paranormais para experiências paranormais, muitas das quais apoiadas por boas evidências empíricas. Meu interesse aumentou com a leitura de livros escritos por Ray Hyman, James Handi, Martin Gardner e outros. Assinei a revista americana Skeptical Inquirer e na revista britânica The Skeptic (conhecida como a Skeptic britânica e irlandesa).

Embora, eu estivesse fascinado pela abordagem cética ao paranormal e às outras pseudociências, por um grande período, meu interesse era mais do que um hobby pessoal. Eu dei palestras ocasionais nesse tópico, mas não estava ativamente pesquisando na área relacionada ao meu interesse. Na época, a psicologia anomalística não era vista como um área respeitável para pesquisa séria - afinal, esses tópicos eram discutidos na TV!

Com benefício da retrospectiva, podemos ver que as atitudes começaram a mudar lentamente, graças aos esforços pioneiros de pessoas como Susan Blackmore, Robert Morris e Richard Wiseman, mas foi apenas em 1992 que eu publiquei meus primeiros artigos acadêmicos nessa área. Até mesmo nessa época, eu sentia que meu interesse nas "coisas estranhas" era tolerado mas não encorajado e eu me certificava de também publicar artigos em áreas mais tradicionais da pesquisa em psicologia.  

Eu não tenho muita certeza de quando eu decidi focar minha pesquisa completamente na psicologia anomalística, mas claramente isso aconteceu em algum momento. Eu comecei a lecionar um módulo opcional sobre psicologia anomalística como parte do programa de Bacharelado da Goldsmiths em 1995 e criei a Unidade de Pesquisa em Psicologia Anomalística em 2000. Uma das razões de criar essa unidade foi para levantar o perfil acadêmico da psicologia anomalística e, junto com isso, sua respeitabilidade acadêmica. Gosto de pensar que fomos bem-sucedidos nesses objetivos. Atualmente, quase toda minha pesquisa e atividades acadêmicas estão na área de psicologia anomalística. 

Por que as crenças paranormais entre o público são tão disseminadas? 
Há vários fatores que possuem um papel na popularidade nas crenças paranormais, mas eu acredito que o mais importante é a história evolucionária. Vários vieses cognitivos parecem estar associados com a crença no paranormal, como a nossa tendência à detecção de padrões significativos na aleatoriedade, em perceber ilusórias relações de causa e efeito, e assumir que tudo acontece porque alguém ou alguma coisa - algum agente externo consciente - queria que acontecesse. Todas essas tendências ocorrem porque estamos aplicando tendências cognitivas que, durante a nossa longa história evolucionária, nos ajudaram a ficar vivos por nos alertarem das potenciais ameaças em nosso ambiente. Dessa forma, passamos nossos genes para a próxima geração. Mas, quando essas mesmas tendências são aplicadas inadequadamente, elas podem resultar na crença em forças paranormais, terapias alternativas inúteis, fantasmas e outros seres espirituais. 

Além disso, não há dúvida de que pessoas têm experiências estranhas, como experiências extracorpóreas, experiências de quase morte, e paralisia do sono, e isso apoia certos sistemas de crença paranormal. Há também o papel de sistemas culturais de crença, especialmente religiões, que também promovem crenças paranormais de várias maneiras. O vies cognitivo mais difuso é o do viés da confirmação. Nós todos achamos fácil acreditar nas coisas que gostaríamos que fossem verdade. Quando estamos falando, por exemplo, de crença na vida após a morte, a evidência para nos convencer que é real não precisa ser tão forte para aceitarmos.     

De todas as crenças e experiências paranormais rotuladas como paranormais, quais são as mais comuns?
Há, é claro, variações entre culturas, tanto historicamente quanto geograficamente, mas em sociedades ocidentais modernas normalmente entre 30-50% da população adulta endossam a crença em um ampla variedade de fenômenos paranormais incluíndo vida após a morte, fantasmas, comunicação com mortos, telepatia, e sonos precognitivos. Uma menor mas ainda substancial parte afirmam que tiveram experiências pessoais desse fenômenos.  

Você já investigou uma experiência "paranormal" que não poderia ser explicada em termos de fatores físicos e psicológicos conhecidos ou conhecíveis?
Não estou afirmando que eu posso oferecer explicações não paranormais para cada e toda afirmação paranormal que já foi feita - e ninguém deveria afirmar isso também. Normalmente, ninguém está investigando a experiência ou o evento propriamente dito, mas o relato de alguém dessa experiência ou evento. Quem está afirmando pode ser completamente sincero, mas sabemos bem que a memória pode ser notoriamente não confiável. E é claro que fraudes intencionais ocasionalmente ocorrem. Então, afirmações anedóticas nunca serão suficientes para me convencer de que um fenômeno paranormal ocorreu. 

Resultados de experimentos controlados poderiam me convencer de que forças paranormais realmente existem. Mas, até hoje, parapsicólogos falharam em obter um único fenômeno paranormal que pode ser replicado de forma confiável. Para mim, isso fala muito alto. 

Eu normalmente encontro que, com algumas exceções, afirmações paranormais ficam menos e menos convincentes à medida de que alguém entra nos detalhes da afirmação. Mas uma parte importante do ceticismo é estar sempre aberto à possibilidade de que novas evidências apareçam e provam alguém errado. Por essa razão, continuaremos a testar afirmações paranormais da forma mais justa possível, apesar do fato de que nenhum dos nossos testes anteriores sequer produziu alguma evidência convincente para apoiar crenças paranormais. 

Na sua coluna nas páginas de ciência online do The Guardian, você publicou artigos sobre o efeito ideomotor. Pode nos contar mais a respeito desse fenômeno psicológico?
Um número de afirmações paranormais e relacionadas são explicadas plausivamente no contexto do efeito ideomotor, isso é, movimentos musculares não conscientes. Em todos os casos do efeito ideomotor, os movimentos musculares não conscientes foram causados pela crença ou sugestão. Fenômenos paranormais que podem ser explicados pelo efeito ideomotor incluem:

  • Inclinação da mesa: isso era uma mania Vitoriana envolvendo pessoas sentadas tentando a comunicação com espíritos através do posicionamento das mãos em cima de mesas de madeira redondas. Diziam que o movimento da mesa era causado por espíritos, mas o físico Michael Faraday provou conclusivamente que as pessoas sentadas estavam involuntariamente causando o movimento. 
  • Tabuleiro Ouija : outro alegado meio de comunicação com espíritos, nesse caso as pessoas sentadas colocam seus dedos em um tabuleiro que se move respondendo às perguntas, indicando letras, números e as palavras "sim" e "não", posicionadas ao redor do tabuleiro.   
  • Dowsing: uma técnica usada para diferentes propósitos, como encontrar águas em locais secos, determinar o sexo de uma criança que ainda não nasceu, e comunicação com espíritos. Diferentes métodos existem para dowsing usando dispositivos como varetas na forma de L ou Y, ou pêndulos, mas em todos os casos um pequeno movimento feito pelo dowser é convertido em um grande movimento pelo sistema em uso. Dizem que o movimento do sistema fornce a a informação requisitada. Testes duplo-cego mostrou repetidamente que isso não acontece. 
Quais que você considera como os desenvolvimentos mais significativos da disciplina desde que você fundou a Unidade de Pesquisa em Psicologia Anomalística?
Acho justo dizer que não houve nenhuma descoberta fantástica na área, mas tem o que tem ocorrido é uma acumulação de conhecimento como é refletido, ano após ano, pelo crescente número de artigos publicados, livros, conferências.
Ocorreu um aumento no ensino dos tópicos de psicologia anomalística em todos os níveis, não é por menos, porque provê um veículo interessante para favorecer as habilidades de pensamento crítico. Então, o que eu acho mais gratificante é a aceitação geral de que os tópicos abordados pela psicologia anomalística são considerados por quase todo mundo merecedores de estudo científico adequado.

Pode nos falar sobre o livro que você co-autorou com Anna Stone, Psicologia Anomalística: Explorando a Crença e Experiência Paranormais (Anomalistic Psychology: Exploring Paranormal Belief and Experience) ?

Esse livro é uma tentativa de fornecer um  rápido retrato do estado da arte da psicologia anomalística considerando cada uma das maiores subdisciplinas da psicologia em relação aos insights que podem oferecer para nos ajudar a entender crenças e experiências paranormais. Psicólogos cognitivos descreveram vários tipos de vieses relevantes para explicar porque as pessoas algumas vezes interpretam equivocadamente experiências como se envolvessem forças paranormais, quando na verdade não envolvem.

Psicólogos sociais descreveram mecanismos pelos quais crenças são transmitidas entre indivíduos. Psicólogos do desenvolvimento oferecem insights nos entendimentos das crianças em crenças supersticiosas e mágicas. A neurociência pode explicar muitas experiências paranormais em termos do que está ocorrendo no cérebro. Acredito que esse foi o primeiro livro que adotou essa abordagem e acho que enfatiza a necessidade de considerar muitos aspectos diferentes das ricas e bizarras experiências que constituem fenômenos supostamente paranormais.

Qual recomendação você daria para alguém interessado em se tornar um psicólogo anomalístico? 
É essencial ter uma base boa em psicologia como um todo, incluindo métodos de pesquisa e estatística, antes de especializar-se em psicologia anomalística. Isso é melhor feito estudando psicologia na faculdade e provavelmente seguido de um mestrado em métodos de pesquisa. Tanto no bacharelado quanto no mestrado, escolha tópicos de projetos dentro da psicologia anomalística. O próximo passo seria aplicar para um Doutorado investigando seu tópico escolhido dentro da área. Depois disso, encontre um trabalho acadêmico onde possa fazer pesquisa em qualquer tópico do seu interesse - dado que você esteja fazendo pesquisa de alta qualidade com um padrão publicável. Falar desse jeito faz parecer tudo muito fácil e simples, mas é claro que não é!

E saiba que sempre haverá uma demanda muito maior para palestras em subdisciplinas mais tradicionais da psicologia em contraste com áreas de nicho como a psicologia anomalística. No final, pesquisadores frequentemente trabalham nas suas áreas escolhidas simplesmente porque é onde seus interesses estão, não importando quais barreiras são colocadas na frente deles - e isso certamente se aplica à minha carreira de pesquisa.

Em quais os projetos de pesquisa você está trabalhando atualmente? 
Como sempre, temos diferentes projetos em diferentes etapas de desenvolvimento, mas as três áreas que ocupam a maior parte de nossos esforços de pesquisa no momento são a psicologia da crença em conspirações, memórias falsas, e paralisia do sono. Além da pesquisa propriamente dita, trabalhamos muito para o engajamento do público, através de cooperação com a mídia, organizando e contribuindo com conferências e palestras, e colaborações que misturam ciência com arte. Não há sinais de que o fascínio do público com a psicologia anomalística irá diminuir num futuro próximo.

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Nota do Tradutor: meu post sobre psicologia anomalística e sobre o livro de Chris French e Anna Stone está disponível aqui


  

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Todos os Cientistas Deveriam Ser Ateus Militantes

por Lawrence M. Krauss
tradução: Felipe Nogueira
fonte: The New Yorker


Como um físico, escrevo e palestro publicamente sobre a natureza surpreendente do nosso cosmos, principalmente por acreditar que a ciência é uma parte da nossa herança cultural e que precisa ser compartilhada de forma mais abrangente. Às vezes, me refiro ao fato de que a ciência e a religião estão frequentemente em conflito; ocasionalmente, eu ridicularizo dogmas religiosos. Ao fazer isso, sou publicamente acusado de ser um "ateu militante". Até mesmo um número surpreendente dos meus colegas perguntam educadamente se não seria melhor evitar alinear pessoas religiosas. Não deveríamos respeitar questões religiosas, mascarando possíveis conflitos, buscando um entendimento comum com os religiosos, para criar um mundo melhor e mais igual? 

Pensei sobre essas questões nesta semana quando vi a história da Kim Davis, uma funcionária judicial do estado de Kentucky que se recusou a registrar casamentos entre homossexuais, desobedecendo diretamente uma ordem de um juiz federal, e, como consequência, foi presa por desacato. (Ela já foi liberada).  Os defensores da Davis, entre eles o senador de Kentucky e também candidato à Presidência Rand Paul, estão protestando contra o que eles acreditam ser uma ameaça à liberdade religiosa dela. É um "absurdo colocar alguém na cadeia por exercer sua liberdade religiosa", disse Paul, na CNN.

A história da Kim Davis levanta uma pergunta básica: Até que ponto devemos permitir as pessoas quebrarem a lei, caso suas visões religiosas e a lei sejam conflitantes? É possível levar a pergunta a um extremo que até o Senador Paul acharia um absurdo: imagine, por exemplo, um jihadista cuja interpretação do Koran sugere que ele pode decapitar infiéis e apóstatas. Ele poderia quebrar a lei? Ou - para considerar um caso menos extremo - imagine um funcionário judicial muçulmano fundamentalista que não permite homens e mulheres não casados entrarem juntos no tribunal, ou que não registre o casamento de mulheres sem burca. Para Rand Paul, o que separa esses casos do caso da Kim Davis? A grande diferença, eu suspeito, é que o Senador Paul concorda com a visão religiosa de Kim Davis, mas discorda das visões do hipotético islâmico fundamentalista.

O problema, obviamente, é que o considerado sagrado para uma pessoa pode ser considerado insignificante (ou repugnante) para outra pessoa. Essa é uma das razões pelas quais uma sociedade secular moderna geralmente legisla contra ações, não contra idéias. Nenhuma ideia ou crença deve ser ilegal; por outro lado, nenhuma ideia deve ser tão sagrada que justifique legalmente ações que de outra forma seriam ilegais. A Davis é livre para acreditar no que quiser, assim como o jihadista é livre para acreditar no que quiser; em ambos os casos, a lei não restringe suas crenças, mas sim suas ações.

Nos últimos anos, esse território cresceu de forma nebulosa. Sob a bandeira de liberdade religiosa, indivíduos, estados, e até mesmo - no caso da Hobby Lobby - corporações argumentam que eles deveriam ser isentos da lei por razões religiosas. (As leis que eles pedem isenção não são focadas em religião; elas tem a ver com questões sociais, como aborto e casamento gay.) O governo tem um interesse em garantir que todos os cidadãos sejam tratados igualmente. Mas defensores da "liberdade religiosa" argumentam que ideais religiosos deveriam ser colocados acima dos outros como uma justificativa para suas ações. Numa sociedade secular, isso não é apropriado.

A controvérsia da Kim Davis existe porque, como uma cultura, temos elevado o respeito pelas sensibilidades religiosas a um nível tão desapropriado que torna a sociedade menos livre, não mais. Liberdade religiosa deveria significar que nenhum conjunto de ideais religiosos seriam tratados de forma diferente de outros ideais. Leis cujo único propósito é denegrir ideais religiosos não deveriam ser aprovadas, mas, de forma similar, as leis não deveriam elevar ideais religiosos.

Na ciência, é claro, a palavra "sagrada" é profana. Nenhuma ideia, religiosa ou não, ganha passa livre. A noção de que uma ideia ou conceito não pode ser questionada ou atacada é uma execração a todo empreendimento científico. Esse compromisso com o questionamento aberto está totalmente ligado com o fato de que a ciência é um empreendimento ateísta. "Minha prática como um cientista é ateísta", escreveu o biólogo J.B.S. Haldane, em 1934. "Isso quer dizer, quando eu faço um experimento, eu assumo que nenhum deus, anjo, ou demônio vai interferir no seu curso e essa assunção foi justificada pelo tamanho sucesso que obtive na minha carreia profissional". É irônico, realmente, que muitas pessoas são vidradas na relação entre a ciência e religião: basicamente, não há nenhuma relação. Em mais de 30 anos como um físico praticante, eu nunca ouvi a palavra "Deus" ser mencionada em um encontro científico. Acreditar ou não em Deus é irrelevante para o entendimento do funcionamento da natureza - assim como é irrelevante para a questão se cidadãos são ou não obrigados a seguirem a lei.

Como a ciência afirma que nenhuma ideia é sagrada, é inevitável que afaste as pessoas da religião. Quanto mais aprendemos sobre o funcionamento do universo, mais sem propósito o universo parece. Cientistas possuem a obrigação de não mentir sobre o mundo natural. Mesmo assim, para evitar ofender, cientistas às vezes dizem que as atuais descobertas estão em plena harmonia com doutrinas religiosas pré-existentes, ou permanecem em silêncio, ao invés de apontarem as contradições entre a ciência e a doutrina religiosa. É uma inconcistência estranha, uma vez que cientistas frequentemente discordam de outros tipos de crença. Astrônomos não têm nenhum problema em ridicularizar as afirmações dos astrólogos, mesmo que uma grande parte do público acredite nessas afirmações. Médicos não possuem problema em condenar as ações dos ativistas da anti-vacinação que põem crianças em perigo. No entanto, por razões de conveniência, muitos cientistas se preocupam que ridicularizar certas afirmações religiosas afasta o público da ciência. Quando eles fazem isso, eles estão sendo, no melhor dos cenários, condescendentes, ou, no pior, hipócritas.

Esse silêncio tem consequências significativas. Considere o exemplo da organização americana Planned Parenthood. Legisladores americanos estão pedindo um término governamental a não ser que os fundos federais destinados para a Planned Parenthood sejam removidos do orçamento do ano fiscal que começa em Outubro. Por que? Porque a Planned Parenthood fornece amostras de tecido fetal obtido em abortos para pesquisas científicas na esperança de curar doenças, desde Alzheirmer até câncer.  (Armazenar e manter os tecidos em segurança exige recursos e a Planned Parenthood cobra os pesquisadores pelos custos.) É claro que muitas pessoas que protestam contra a Planned Parenthood são opostas ao aborto por razões religiosas e são, em graus variados, anti-ciência. Isso deveria calar a boca dos cientistas pelo risco de ofendê-los ou afastá-los ainda mais? Ou deveríamos nos manifestar sinalizando que, independente do que as pessoas consideram sagrado, esse tecido seria jogado fora embora pudesse ajudar ou salvar vidas?

Finalmente, quando hesitamos questionar abertamente as crenças, por não queremos correr o risco de ofender, o próprio questionamento torna-se um tabu. Por isso, me parece que a necessidade dos cientistas de se manifestarem publicamente é ainda mais urgente. Como resultado de falar sobre questões da ciência e religião, eu escuto de muitos jovens a vergonha e ostracismo que passaram simplesmente por questionar a fé de suas famílias. Em alguns casos, eles tiveram seus direitos e privilégios proibidos porque suas ações confrontaram a fé de outras pessoas. Cientistas precisam estar preparados para demonstrar, através de exemplos, que questionar o que é considerado como verdade, especialmente a "verdade sagrada", é uma parte essencial de viver em um país livre.

Eu vejo uma relação direta entre a ética que guia a ciência e a que guia a vida civil. Cosmologia, a minha especialidade, pode aparentar estar bem distante da recusa da Kim Davis em registrar casamentos a casais gays, mas na realidade os mesmos valores se aplicam em ambos os casos. Sempre que afirmações científicas são apresentadas como inquestionáveis, elas enfraquecem a ciência. De forma similar, quando ações ou afirmações religiosas relacionadas à santidade são feitas sem impunidade na nossa sociedade, nós enfraquecemos a base da democracia secular moderna. Devemos a nós e às nossas crianças não permitir que governos - totalitários, teocráticos ou democráticos - endorsem, encorajam, forcem, ou legitimizem a supressão do questionamento aberto com objetivo de proteger ideias consideradas "sagradas".  Quinhentos anos de ciência liberaram a humanidade das correntes da ignorância forçada. Deveríamos celebrar isso aberta e entusiasticamente, independente de quem vamos ofender.

Se isso é o que faz alguém ser chamado de ateu militante, nenhum cientista deveria se envergonhar do rótulo.        


domingo, 23 de agosto de 2015

Destruindo Mitos Sobre as Drogas. Entrevista com Carl Hart

Where Drug Myths Die. An Interview with Carl Hart
publicado na Skeptic volume 20 number 2 (original published article here)


por Felipe Nogueira


Entrevista com Hart: matéria de capa da Skeptic 
Carl Hart é um professor associado dos departamentos de Psicologia e Psiquiatria da Universidade de Columbia e pesquisador da Divisão de Abuso de Substâncias do Instituto de Psiquiatria do Estado de Nova York. Ele é membro do National Advisory Council on Drug Abuse e compõe a junta de diretores do College on Problems of Drug Dependence e da Drug Policy Alliance. Após receber seu bacharelado em psicologia na Universidade de Maryland e seu doutorado em psicologia experimental e neurociência na Universidade de Wyoming, Hart publicou vários artigos em jornais científicos de prestígio pelos quais ele foi nominado Fellow pela Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association). Em 2012, ele escreveu, junto com Charles Ksir, o livro-texto Drugs, Society, and Human Behavior (publicado pela editora McGraw-Hill), que é bastante considerado na área. Como um neuropsicofarmacologista, Dr. Hart pesquisa os efeitos das drogas na psicologia e no comportamento humano. Por exemplo, o objetivo de um de seus experimentos foi entender como usuários de crack responderiam ao terem de escolher entre a droga e outra opção atraente – dinheiro. O experimento de Hart relevou, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, que usuários de drogas podem agir racionalmente, escolhendo outras opções atraentes além de drogas destrutivas. Então, o modelo médico que considera a dependência uma doença não está totalmente preciso, quando comparado com a AIDS ou câncer, onde os pacientes não escolhem em não ter a doença. Muitas pessoas abandonam o uso de drogas, mesmo os que eram viciados. A pergunta é por que?
Ser um cientista que estuda as drogas é apenas uma parte da história pessoal fascinante de Hart com as drogas. Ele foi criado em um bairro pobre de Miami, onde na escola ele não apenas usou drogas, mas como também vendeu maconha e no processo cometeu crimes leves. Para piorar a situação, a maioria de seus familiares não reconhecia o valor de uma educação formal. Ele acabou se juntando às Forças Armadas americanas, o que lhe deu uma apreciação maior da importância do conhecimento, especialmente conhecimento científico e a habilidade de pensar criticamente, o que o levou, eventualmente, a ser o primeiro professor afro-americano titular de ciência na Universidade de Columbia. Em 2013, ele publicou Um Preço Muito Alto: A Jornada de Um Neurocientista Que Desafia Nossa Visão Sobre Drogas*, um livro que descreve a pesquisa, mitos, leis e política pública sobre as drogas escrito para uma audiência geral. O livro é também um memoir, onde ele discute sua vida pessoal e como se tornou o cientista que é hoje. Um Preço Muito Alto recebeu o prêmio PEN E.O. Wilson de Escrita Cientifica Literária de 2014. Desde então, Hart tem aparecido como convidado em programas de entrevistas, como o Real Time apresentado por Bill Maher na HBO. No programa do dia 27 de setembro de 2013, o anfitrião fez seu habitual apelo pela legalização da maconha, no qual Dr. Hart adicionou que cocaína, heroína e meta-anfetaminas também deveriam ser descriminalizadas, para os usuários conseguirem a ajuda que precisam e para esvaziarmos nossas prisões desses autores de crimes sem vítimas. Hart ensinou o Bill O’Reilly sobre fatos relacionados ao vício, ressaltando que os últimos três presidentes dos Estados Unidos fumaram maconha na juventude e que, de fato, o uso de maconha entre alunos americanos do ensino médio caiu de 37% em 1978 para 22% atualmente (O’Reilly insistiu que o uso tinha aumentado, no qual Dr. Hart respondeu de forma direta “você está errado”). Nesse sentido, Carl Hart é um destruidor de mitos sobre drogas e vício, e um verdadeiro cético em relação à pseudociência e falta de sentido que permeiam as atitudes dos Estados Unidos no que diz respeito às drogas e aos viciados em drogas.






Skeptic: As pessoas acreditam que a maconha é uma “porta de entrada” para outras drogas. É mesmo?
Hart: Tudo depende do que as pessoas chamam de “porta de entrada”. As pessoas normalmente querem dizer que a maconha leva ao uso de drogas mais pesadas e isso não é verdade. É verdade que a maioria dos usuários de heroína e cocaína usou maconha antes de usar essas outras drogas. Mas o fato é que a maioria dos usuários de maconha não usa essas drogas. Então, não é uma porta de entrada; é ilógico fazer esse tipo de afirmação. Seria o mesmo que dizer que “os últimos três presidentes dos Estados Unidos usaram maconha antes de tornarem presidentes. Então, maconha é uma porta de entrada para a Casa Branca.”  
Skeptic: Aqueles que acabam usando crack e cocaína não usaram álcool ou cigarro antes da maconha? Hart: A maioria usou álcool e tabaco anteriormente, eles também beberam água ou comeram uma fruta. Os usuários de crack participam mais em pequenos delitos do que aqueles que usam apenas maconha. Então, podemos dizer que pequenos crimes são uma “porta de entrada” para drogas mais pesadas. Você pode pensar em diferentes comportamentos associados com as pessoas que usam heroína e chamá-los de porta de entrada, mas essa não é uma conclusão científica adequada de se fazer. 
Skeptic: Existe diferença entre crack e cocaína? Hart: Farmacologicamente, não há diferença. A principal coisa que as pessoas estão buscando, ao usarem cocaína, é a base da cocaína. O pó da cocaína não possui apenas a base, contém também um hidrocloreto, o que o torna mais estável e diminui a chance de ser fumado. Se alguém quiser fumar, tem de remover o hidrocloreto, que não contribui para os efeitos biológicos da cocaína. Quando as pessoas estão descrevendo as diferenças entre crack e cocaína, o que elas estão descrevendo realmente é a diferença no modo como essas drogas são utilizadas. Ao fumar crack, os efeitos começam mais rápido do que cheirar o pó da cocaína. Mas é possível dissolver o pó da cocaína em água e injetar na veia e ter o mesmo efeito que você teria fumando crack.
Skeptic: Uma vez que chega ao cérebro mais rápido, crack não é mais viciante do que cocaína? Hart: Fumar crack e injetar o pó da cocaína dissolvido em água chegam ao cérebro na mesma velocidade. No entanto, esse é um dos argumentos que alguns fizeram, mas não há outras drogas que punimos de acordo com a rota de administração, além de crack e cocaína. E nós fazemos essa distinção nos Estados Unidos, porque o crack foi associado com pessoas negras pobres. Ao olharmos para os anos 80, nenhuma droga produziu mais violência do que cocaína em pó, mas ninguém aprovou novas leis, em parte, porque as pessoas engajadas não eram negros e, sim, principalmente pessoas brancas. Como sociedade, nós não estamos sendo honestos em relação a isso.
Skeptic: As pessoas acham que apenas uma dose é suficiente para deixá-las viciadas. Pode explicar porque isso não é verdade? Hart: Por definição, vício em drogas é um comportamento que afeta suas funções psicossociais, seu trabalho, sua vida familiar e essas perturbações comportamentais precisam ocorrer em múltiplas ocasiões. Então, se você usou uma droga uma vez e foi afetado uma vez, por definição, isso não é um vício. Vício requer esforço. A utilização de qualquer droga uma única vez não deixará ninguém viciado. As pessoas fazem essa afirmação baseada numa hipérbole para atingir emocionalmente o ouvinte. 
Skeptic: O quanto viciante é o tabaco em comparação com outras drogas? Hart: 1 entre 3 (ou 33%) das pessoas que fumam cigarro ficarão viciadas. Por comparação, 15% daqueles que usam álcool ficam viciadas. A taxa na maconha é 10%. Já na heroína chega a 25%, enquanto cocaína (e crack) fica entre 15% e 20%.

Skeptic: O psicofarmacologista David Nutt, autor do livro Drugs Without the Hot Air, publicou um estudo em 2010 que considerou o álcool a droga mais perigosa. Você concorda com isso? Hart: Eu sou fã do trabalho do David e na sua defesa em educar o público, e eu admiro o que ele faz. Acho que ele tenta fazer o público entender que, quando pensamos se uma droga é tóxica, precisamos olhar para diferentes medidas. Em uma medida, o álcool pode ser visto como a droga mais tóxica. Por exemplo, quando pensamos na abstinência, quando as pessoas param abruptamente o uso prolongado de uma droga, o álcool é claramente a mais perigosa, porque você certamente pode morrer de abstinência alcoólica. Você não morre de abstinência de heroína, crack, cocaína, cigarro ou maconha. Tudo depende da medida que você está analisando ao determinar a toxicidade potencial de uma droga.

Skeptic: Escuto vários comentários sobre como as pessoas viciadas se comportam. Por exemplo, usuários de crack são “zumbis”. Não estou certo do que significa ser um “zumbi”, mas o que as pessoas estão pensando quando usam tais expressões para descrever o comportamento sob a influência de uma droga? Ou seja, como as pessoas viciadas se comportam de fato? Hart: Sou um psicólogo que estuda o comportamento humano. Todo mundo se comporta de alguma maneira e pensamos que somos especialistas em entender o comportamento humano. Mas a maioria das pessoas não é especialista e isso é parte do problema com essas descrições subjetivas e anedóticas. As pessoas vêem alguém se comportando de forma errada e se elas sabem que essa pessoa usa alguma droga, elas concluem que o comportamento errado é causado pela substância. Não! Você não pode fazer essa conclusão. Há vários outros fatores que precisam ser considerados. É preciso considerar o histórico psicológico, se há ou não outras drogas envolvidas, se não dormiu, se a pessoa interagiu com alguém que a deixou nervosa, etc. As pessoas falham em não considerar esses fatores. Por isso que anedotas são insuficientes para fornecer boas explicações sobre comportamento.


Skeptic: Em um dos experimentos que você realizou, você ofereceu aos participantes, que eram usuários de drogas, duas escolhas: dinheiro e droga. O que você encontrou e o que significa? Hart: Uma das coisas que as pessoas dizem sobre usuários de drogas, especialmente sobre viciados em drogas, é que eles apenas respondem à droga que eles usam: se você der a oportunidade para eles usarem as suas drogas, eles irão fazer isso acima de qualquer outra coisa. Foi um experimento simples, onde aumentávamos a quantidade de dinheiro que oferecíamos aos participantes. Encontramos que, quando aumentamos o valor monetário, a escolha dos participantes em usar a droga diminuía – eles escolheram o dinheiro; eles se comportaram racionalmente.


Skeptic: Por que as pessoas ficam viciadas? Hart: É uma pergunta difícil e uma pergunta que a ciência deveria estar focada. Recentemente, nos concentramos em achar mecanismos biológicos para o vício. Mas francamente não achamos nenhum que seja convincente. Então, precisamos olhar para outras coisas também, como a co-ocorrência de doenças psiquiátricas, depressão, ansiedade e esquizofrenia, que aumentam a probabilidade de uma pessoa ficar viciada. O vício é uma doença principalmente caracterizada por não controlar o seu comportamento em relação ao uso de drogas. Há pessoas que não controlam seus comportamentos nos mais variados domínios, não apenas com drogas, porque elas não aprenderam a fazer isso. Então, se essas pessoas usarem drogas, isso aumenta a chance de ficar viciado, porque o uso de drogas requer que a pessoa seja responsável, assim como dirigir um automóvel. Você não pode ser irresponsável dirigindo um automóvel; você pode se machucar e machucar outras pessoas. Não aprender essas responsabilidades aumenta a chance de uma pessoa ficar viciada. Se a pessoa não possuir uma alternativa na vida melhor que a droga, também aumenta chance do vício. Todos esses fatores são criticamente importantes quando estamos tentando determinar por que alguém ficou viciado em comparação com alguém que não ficou.


Skeptic: Você mencionou mecanismos biológicos para o vício. Existe a hipótese da dopamina, mas no seu livro você mencionou que essa hipótese tem problemas. Poderia esclarecer? Hart: Vamos falar sobre a versão simplista da hipótese da dopamina primeiro. Drogas como cocaína e anfetaminas aumentam dopamina, que aumenta o prazer. Então, pesquisadores disseram que os usuários de drogas estavam tentando aumentar seus níveis de dopamina. Foi uma teoria importante, porque nos ajudou a organizar diferentes tipos de experimentos, mas ela apareceu nos anos 60 quando tínhamos identificado apenas cinco ou seis neurotransmissores. Atualmente, conhecemos mais de 100 neurotransmissores e a teoria não foi atualizada de acordo. Aprendemos muito sobre a complexidade do cérebro na maneira como os neurotransmissores interagem entre si. Ao invés de um neurotransmissor ser liberado a cada vez, vários neurotransmissores são liberados juntos para produzir efeitos. E, às vezes, esses neurotransmissores estão co-localizados nas mesmas células. Essa teoria antiga da dopamina não leva em consideração esse novo conhecimento. Para mim, essa hipótese da dopamina é muito simples para explicar um comportamento complexo. E temos informações que podem ajudar as pessoas agora: A pessoa tem alguma doença? A pessoa é responsável? Podemos manipular várias variáveis e ajudar a pessoa agora; não podemos ajudar usuários de drogas imediatamente com a hipótese da dopamina, e não ajuda ninguém no tratamento, não ajuda em nada na prática. Estamos no nível em que a ciência está tentando entender e não estamos perto, se estivermos falando de dopamina.

Skeptic: E sobre tratamentos farmacológicos para dependência a drogas, como cocaína? Hart: Foquei uma grande parte da minha carreira na tentativa de desenvolver medicações para ajudar as pessoas viciadas em cocaína, mas não tivemos sucesso em achar uma medicação eficaz. Parece que a melhor medicação para o vício da cocaína é a própria cocaína. Na Suíça, heroína é utilizada com sucesso para tratar vício em heroína. Quando pensamos sobre tratamento, há vários componentes que são necessários, não apenas o medicamento: apoio psicossocial, terapia para entender o vício da pessoa: essa pessoa tem trabalho? Tem uma rede social? Todos esses fatores são incorporados no programa de tratamento da heroína na Suíça, e tem sido um sucesso. Algo similar pode ser feito com cocaína, mas precisamos de todos esses componentes auxiliares.


Skeptic: Quais são os danos causados pelas anfetaminas? Hart: A primeira lição que as pessoas deveriam saber é que há potenciais danos para todas essas drogas que estamos falando. No entanto, quando você enfatiza os danos, as pessoas que usam drogas param de ouvir, porque eles sabem que há outros efeitos (por isso que elas usam essas drogas). A principal preocupação com anfetaminas é que possuem um efeito poderoso no sistema cardiovascular; elas aumentam a pressão e a frequência cardíaca. Isso não é bom para pessoas com um sistema cardiovascular comprometido e elas não devem tomar doses elevadas de anfetaminas. Anfetaminas também afetam o sono e privação de sono pode causar diversos problemas físicos e psicológicos, mesmo sem uso de drogas. Anfetaminas também afetam a ingestão de alimentos, que é criticamente importante para o funcionamento adequado do corpo. Essas são as preocupações que as pessoas que usam anfetaminas devem estar cientes, ao invés de outras preocupações frequentemente enfatizadas pela mídia e até por cientistas. Sobre declínio cognitivo, anfetaminas são aprovadas para aumentar o funcionamento cognitivo para tratar déficit de atenção. Então, a ideia de que anfetaminas estão causando declínio cognitivo é simplesmente inconsistente com a história da ciência comportamental que temos com essas drogas.


Skeptic: Outra ideia que escutamos bastante é que a maconha ou a cocaína matam as células nervosas. Existe alguma evidência para isso? Hart: Qualquer droga psicoativa pode matar células do cérebro. No entanto, essas doses são tão altas que as drogas seriam tão desagradáveis que humanos não experimentariam de novo, caso sobrevivessem. Essas doses são 20-80 vezes a quantidade que as pessoas normalmente tomam. Além disso, não há evidência de que uso de longa duração de doses que humanos tomam normalmente produz neurotoxicidade. Neurotoxicidade certamente pode ocorrer, mas a chance de ocorrer com pessoas utilizando drogas em doses que humanos normalmente tomam é bem baixa.


Skeptic: Por que você defende a descriminalização das drogas ao invés da legalização? Hart: De todas as drogas que falamos, a nicotina, presente no cigarro, é provavelmente a droga que mata com a menor quantidade. 50 mg de nicotina matariam metade de nós. Em contraste, com 50 mg de cocaína ou heroína, você apenas se sente muito bem. Então, precisamos pensar por que a nicotina é legal mesmo se tão pouco é capaz de matar pessoas. É legal porque temos estruturas sociais, temos educação sobre a nicotina, e sabemos como manter as pessoas seguras. Um cigarro contem 1 mg de nicotina e um maço contém 20 cigarros. É necessário que as pessoas fumem diversos maços imediatamente para se matarem. Nós embalamos a nicotina de uma maneira que substancialmente diminui a chance das pessoas se machucarem. Precisamos descobrir como embalar as outras drogas e educar as pessoas de uma maneira que elas fiquem seguras. Não fizemos isso ainda, porque não temos as estruturas sociais necessárias. Eu vejo a descriminalização, em parte, como um passo intermediário para a regulamentação, como regulamos álcool e cigarro. Mas precisamos ter essas estruturais sociais para manter as pessoas seguras, porque todas essas drogas são potencialmente perigosas, embora todas possam ser usadas com segurança.


Skeptic: Podemos comparar diferentes locais (países, estados, cidades) com leis de drogas diferentes (proibido, descriminalizado, legalizado) em relação a diferentes desfechos, como taxa de uso de drogas, taxa de mortes e homicídio relacionados às drogas, além de crime. O que pode ser dito sobre esses tipos de medidas? Isso é, qual o impacto de descriminalização e legalização nesses desfechos? Hart: Acho que a comparação entre Portugal e Estados Unidos é instrutiva nessa questão. Em 2001, Portugal descriminalizou todas as drogas incluindo heroína e cocaína. Eles aumentaram o gasto em prevenção e tratamento, e diminuíram o gasto para processamento criminal e aprisionamento. O número de mortes ligadas às drogas caiu, assim como a taxa de uso de drogas, especialmente entre pessoas jovens (15-24 anos). Em geral, as taxas de uso de drogas em Portugal são similares, ou um pouco melhores, do que outros países da União Europeia, e eles estão melhores do que os Estados Unidos. Em outras palavras, a descriminalização de Portugal foi um sucesso. Não parou o uso ilegal de drogas, mas isso seria um expectativa irrealista. Os portugueses ficam ainda ficam “chapados”, assim como seus contemporâneos e todas as sociedades humanas antes deles. Mas parece que eles não têm mais o problema de estigmatizar, marginalizar, e encarcerar uma grande proporção de seus cidadãos por pequenas violações de drogas. Essas são algumas das razões que eu acho que regulamentação ou até mesmo legalização devem ser consideradas como opções nos Estados Unidos.


Skeptic: Se você fosse o diretor de políticas de controle de drogas nos Estados Unidos, quais seriam suas políticas de curto e longo prazo? Hart: Primeiro, eu trabalharia para descriminalizar todas as drogas para que as pessoas não corressem o risco de serem presas por posse de drogas. Muitos de nossos cidadãos estão definhando na prisão desnecessariamente por violações referentes ao uso de drogas. Também trabalharia para mudar a educação sobre as drogas de uma maneira que não seria mais aceitável exagerar os danos como uma tática para colocar medo. A primeira função da educação seria manter nossos cidadãos seguros. Em longo prazo, eu trabalharia para regular as drogas para diminuir as chances de usuários obterem e usarem drogas adulteradas com substâncias mais perigosas que as próprias drogas. Meu maior objetivo como diretor seria manter a população segura, com entendimento de que as pessoas usarão drogas, como humanos sempre fizeram.


Skeptic: Qual foi seu objetivo ao escrever Um Preço Muito Alto? Hart: O objetivo foi comunicar com o público em geral. O primeiro objetivo da comunidade científica é manter o financiamento do laboratório e, algumas vezes, isso é inconsistente com os interesses mais amplos da sociedade. A pesquisa em abuso de drogas foca principalmente nos efeitos ruins das drogas, porque o maior financiador é o Instituto Nacional do Absuso de Drogas (National Institute for Drug Abuse), que financia 90% da pesquisa mundial nessa área. O Instituto Nacional do Abuso de Drogas está focado nas coisas ruins que acontecem com o uso de drogas e cientistas são influenciados por esse objetivo. A sociedade tem o objetivo de ficar segura e cientistas tem o objetivo “não use essas drogas”, então é inconsistente. Ao escrever o livro, queria fazer o público entender que o objetivo deles e o objetivo do cientista são diferentes, que os o objetivos do publico e do policial são diferentes, e que o objetivo do público também é diferente do objetivo do jornalista que escreve histórias sobre as drogas.


Skeptic: Na Skeptic, defendemos o pensamento baseado em evidências, ao invés do pensamento baseado na fé. Para você, qual é a melhor abordagem para mudar do pensamento baseado na fé para o baseado nas evidências? Hart: Quando tentamos mudar a visão das pessoas sobre algo que elas acham que sabem, em alguns casos, elas se sentem ameaçadas e ofendidas, porque elas trabalharam duro para adquirir esse conhecimento. Ai você diz que eles estão errados e isso é difícil para a maioria de nós aceitar. Então, é necessário reconhecer o trabalho que tiveram em adquirir esse conhecimento, mesmo se o conhecimento estiver ultrapassado ou impreciso. Você pode dizer “sabe, eu era como você, fui enganado. Eles me enganaram, assim como te engaram. Foi assim que eu passei a ver de forma diferente e você também pode fazer isso.” É necessário se conectar com a audiência para fazer essa transição. Às vezes ficamos impacientes, porque não temos tempo para fazer essa conexão e dizemos “a evidência mostra isso e você está errado.” Isso geralmente não funciona. Mas eu entendo a impaciência, porque esperamos que as pessoas sigam as evidências, mas frequentemente isso não acontece.


Skeptic: Para você, o que é indispensável para ser um bom cientista? Hart: Sempre tente refutar a sua própria hipótese. Se não fizer isso, você aumenta suas chances de seguir um dogma. Então, o fator crítico é elaborar experimentos que possam refutar a sua própria hipótese.

Skeptic: Obrigado por essa entrevista! ------------------- * A edição original do livro com o título High Price: A Neuroscientist's Journey of Self-Discovery That Challenges Everything You Know About Drugs and Society foi publicada nos Estados Unidos em 2013 pela editora Harper. No Brasil, o livro foi publicado em 2014 pela editora Zahar.  





sábado, 22 de agosto de 2015

Um cientista no país das maravilhas

Reflections of A Scientist in Wonderland
publicado na Skeptical Briefs edição de verão (vol. 25, n. 2)
por Felipe Nogueira

Edzard Ernst é médico e foi o primeiro professor de medicina alternativa do mundo. Sempre achei sua história bastante interessante. Por anos, Ernst tem sido um crítico e cético de peso das frequentes afirmações extraordinárias dos defensores da medicina alternativa. No seu blog, ele posta diariamente análises críticas de estudos da medicina alternativa. No seu livro Trick or Treatment, publicado em 2008 e co-autorado com Simon Singh, Ernst explicou a história e a evidência de diferentes terapias alternativas, como acupuntura, homeopátia e quiropraxia. No entanto, esse cientista cético começou sua carreira como um homeopata. Como isso aconteceu? Como ele mudou de idéia?

As respostas para essas perguntas e outros detalhes interessantes da carreira de Ernst são encontrados no seu mais recente e excelente livro. A Scientist in Wonderland [Um Cientista no País das Maravílhas - sem edição no Brasil] foi publicado em Janeiro e é um memoir "da busca pela verdade e encontrando problemas", como explica o subtítulo.

Enrst cursou a faculdade de medicina na Alemanha. Me surpreendi ao descobrir que ele queria ser músico ao invés de médico. Mesmo após o término do curso de medicina, ele reconhecia a sua paixão: "Ainda me sentia muito mais um músico do que um médico". Por volta de 1970, Ernst teve dificuldades ao achar um trabalho como médico iniciante ("junior doctor") e encontrou apenas no único hospital homeopático da Alemanha.

Ele trabalhou em diferentes locais na Alemanha, incluíndo na Universidade de Munique, mas foi em Londres num laboratório de relogia sanguínea no Hospital St. George que ele teve seu primeiro trabalho como pesquisador. Pela primeira vez ele achou que estava no trabalho certo, por estar trabalhando com pessoas inteligentes, frequentando conferências e publicando artigos.  O curso de medicina focou na clínica médica; Ernst não aprendeu a ser um cientista na faculdade. Foi trabalhando nesse laboratório que Ernst comeceu a perceber a importância da ciência médica. Com tempo suficiente para pensar, ler e aprender, ele questionou pela primeira vez a premissa mais básica dos clínicos de que, se o paciente melhorou, a causa é o tratamento. Um cientista médico é treinado para ser cético: para duvidar e questionar esse tipo de premissa.  Ernst diz, "Um cientista que não é crítico é uma contradição dos termos: se encontrar um, há grandes chances de ser um charlatão. Em contraste, um clínico crítico é uma verdadeira raridade, na minha experiência. Se encontrar um, há grandes chances de ser um médico bom e responsável."

O trabalho como pesquisador estava bom, mas Ernst sentia falta de atividades clínicas. Ele trocou de trabalhos algumas vezes até encontrar um local em Munique onde poderia pesquisar e fazer atividades clínicas também. A pesquisa foi tão produtiva que ele ganhou o título de PhD sem dificuldades. Nessa época, por volta de 1980, ele publicou seu primeiro artigo em medicina alternativa.  Mas foi em 1992 que sua vida mudou drasticamente após ver uma propaganda para a posição de professor da disciplina de medicina alternativa na Universidade de Exeter. Após um ano, ele foi nominado para essa tarefa. A missão do time de pesquisa de Ernst era conduzir pesquisa rigorosa sobre a eficácia, segurança e custo da medicina complementar. No entanto, como não é segredo, terapeutas alternativos não querem isso. Segundo Enrst, "alguns defendiam a opinião de que medicina alternativa não deveria ser investigada cientificamente".

Ernst prometeu que investigaria as terapias alternativas mais populares no Reino Unido. Para a surpresa dele - e minha também quando li no livro - cura espiritual era uma terapia alternativa comum. Nessa época, havia mais curandeiros espirituais do que quiropráticos, osteopáticos, acupunturistas, homeopáticos e erbalistícos juntos e praticamente o mesmo número de médicos ortodoxos. Enrst e os curandeiros espirituais concordaram nos métodos a serem utilizados e o experimento iria testar a eficácia dos curandeiros no tratamento da dor crônica.

O livro A Scientist in Wonderland explica porque a melhor maneira de avaliar tratamentos é através de um estudo clínico randomizado e controlado (randomized controlled trial). Nesse tipo de experimento, os participantes são separados aleatoriamente em pelo menos dois grupos: o grupo intervenção (a terapia a ser testada) e o grupo controle. Se a terapia a ser testada é um medicamento, o grupo controle recebe uma pílula que não possui nem efeito, um placebo. Porém, quando uma terapia não medicamentosa é testada, o "placebo" não é tão evidente assim. Não podemos simplesmente fazer nada no grupo controle, já que os pacientes nesse grupo precisam receber algo semelhante com a terapia a ser testada mas que não possui efeitos. Com isso, quando o estudo termina, cientistas usam estatística para comparar a diferenças entre grupos. "Qualquer tratamento eficaz - isso quer dizer eficaz além do placebo - irá gerar um efeito específico mais o efeito placebo", explica Ernst.

O experimento da cura espiritual terminou com quatro grupos: cura por um curandeiro espiritual; placebo da cura espiritual feita por um ator treinado; cura por um curandeiro localizado em um cubículo escondido da visão do paciente; placebo da cura sem pessoas presentes no cubículo. Durante o estudo, Ernst viu um alívio tão grande da dor que um de seus pacientes parou de usar cadeira de rodas. Surpreendetemente, a redução da dor foi devido ao efeito placebo: os resultados mostraram que todos os grupos obtiveram uma redução considerável da dor sem diferença estatisticamente significante. Ernst e seus colegas publicaram um artigo referente ao estudo com um conclusão clara: "um efeito específico de cura espiritual face-a-face ou distante para dor crônica não foi demonstrado".

Os leitores do livro também aprenderão que a razão de investigar a medicina alternativa é não apenas saber se é eficaz ou não, mas também saber se a terapia é ou não segura. O paciente pode sofrer danos do tratamento diretamente, o que pode acontecer, por exemplo, com a acupuntura quando o terapeuta causa um pneumotórax. Todo tratamento tem seu risco, até mesmo a homeopatia que não possui nenhuma substância ativa na sua pílula. Por que? Porque pacientes podem acabar buscando tratamentos não estabelecidos ao invés de tratamentos eficazes. Além disso, a pesquisa de Ernst mostrou que metade dos homeopatas recomendam contra a vacína tríplice viral. Então, os terapeutas alternativos podem causar danos e não podemos negligenciar isso.

Ernst recebeu diversos premios pela qualidade da sua pesquisa. No entanto, a qualidade da pesquisa não é importante para defensores da medicina alternativa. O que é importante é defender a medicina alternativa mesmo quando não há evidências. Falando a verdade sobre as evidências disponíveis, Ernst criticou afirmações de defensores da medicina alternativa, como o Príncipe Charles. Na época, o reitor da Universidade de Exeter questionou Ernst: "Por que você tem de ser tão pouco diplomático?" Certamente aparenta, por essa citação isolada, que o reitor estava mais preocupado em ser político do que com a verdade e possíveis danos causados pela medicina alternativa. E se as evidências da pesquisa da medicina alternativa não são diplomáticas? E isso é verdade, como Ernst colocou, "nossa análise crítica da medicina alternativa, uma vez reconhecida local, nacional e internacionalmente, não era mais desejada".

E em relação à ética? Ernst não deixa nenhum leitor esquecer que seu trabalho é bastante importante na medicina. Médicos ocupam uma posição de autoridade e poder e os pacientes estão vulnerváveis, principalmente quando estão sofrendo. Ernst foi brilhante quando escreveu:
Quando a ciência é absuda, sequestrada, ou distorcida para apoiar sistemas de crença políticos ou ideológicos, padrões éticos inevitalvemente serão rompidos. A pseudociência resultante é uma enganação perpetuada nos mais fracos e vulneráveis. Devemos a nós mesmos e aqueles que virão depois de nós, defender a verdade, não importando quanto problema isso pode causar.
De fato, a briga com o Príncipe Charles gerou controvérsia. Mesmo que Ernst e seu time publicaram mais artigos na literatura médica revisada por pares do que todo o resto junto da Universidade de Exeter, as desavenças com o Príncipe Charles deixaram o time de Ersnt isolado e sem financiamento. A situação ficou tão ruim que o time foi desfeito e Ernst se aposentou. Ele escreveu, "O médico e o cientista ainda podem estar cheio de perguntas, mas o músico dentro de mim respira aliviado que a perfomance, com todas as demandas impossíveis e momentos terrivelmente difíceis, finalmente terminou.

Ernst termina o livro com um rápido sumário das conclusões mais importantes da sua pesquisa sobre a eficácia da acupuntura, quiropraxia, medicina herbalística e homeopatia. A Scientist in Wonderland deve ser dado a todo mundo que promove medicina alternativa. O livro menciona importantes príncipios sobre a avaliação de tratamentos. O livro mostra os obstáculos que um time de cientistas pode enfrentar quando seus achados contradizem as crenças e opiniões de pessoas poderosas. Além disso, o livro mostra a importância da verdade.

Gostaria de agradecer Edzard Ernst não apenas por ter escrito esse livro fascinante sobre sua carreira, mas por ter a coragem de defender a verdade e de ser o exemplo de cientista que precisamos em todas as áreas, especialmente na medicina alternativa. Ernst é, como falou a médica Harriet Hall na sua revisão do livro no blog Science-Based Medicine, "um verdadeiro héroi. Ele continua sendo um dos nossos guerreiros líderes na batalha para defender a ciência e vencer a irracionalidade".    
                 

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Matéria de capa na Skeptic!

por Felipe Nogueira

A revista Skeptic é publicada quatro vezes ano ano pela Skeptics Society (Sociedade dos Céticos), organização voltada à divulgação científica, ao ceticismo e pensamento crítico dirigida pelo psicológo Michael Shermer. 

A Skeptic lida com "afirmações extraordinárias, ideias revolucionárias e promoção da ciência." 

A matéria da capa da última edição da revista (20.2) é a entrevista que realizei com o neuropsicofarmacologista Carl Hart sobre drogas e depedência.  Segue capa abaixo:


Outros tópicos interessantes dessa edição: 
  • 8 mitos do desenvolvimento de crianças;
  • Como tornar as crianças mais espertas;
  • Porque as experiências de quase-morte variam tanto;
  • O que é o "sobrenatural" quer dizer, afinal?
  • Um guia para reconhecer pseudo-matemática nas ciências sociais;
  • A contestada função das gorduras e carboidratos na doença cardíaca.  

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Pais homossexuais e suas crianças

por Felipe Nogueira

Pelo menos duas organizações científicas e de saúde revisaram a literatura em relação a crianças criadas por pais homossexuais. Elas são a American Psychological Association (Associação Psicológica American) e American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatras). 

Na base de um corpo de pesquisa extraodinariamente consistente de pais gays e suas crianças, a American Psychological Association (APA) e outras organizações científicas e de saúde concluíram que não há evidência científica que a eficácia parental está relacionada com a orientação sexual dos pais. Isso é, pais/mães lésbicas e gays são tão prováveis quanto pais heterossexuais em prover ambientes saudáveis para suas crianças.  
Na base da pesquisa, a APA continua se opondo a qualquer discrimininação baseada na orientação sexual em questões de adoção, custódia da criança e visitação, orfanato e serviços de saúde reprodutivos.  
Já a American Academy of Pediatrics, em seu relatório técnico, concluiu que "dados extensivos oriundos de mais 30 de pesquisas relevam que crianças criadas por pais/mães gays e homossexuais demonstraram resiliência em relação a saúde social, psicológica e sexual."

O interessante é que o relatório da American Academy of Pediatrics destaca que as crianças criadas por pais homossexuais sofrem estigma social e mesmo assim não estão em desvantagens em relação às crianças com pais heterossexuais. Conservadores e religiosos são contra que homossexuais adotem crianças. Para justificar, frequentemente utilizam o argumento do bem estar da criança. Então, se eles estão preocupados realmente com o bem-estar da criança, eles deveriam parar de se opor, para aumentar a aceitação e melhorar ainda mais as condições das crianças. Segundo o relatório: 
Maior aceitação e apoio à essas famílias proverá um ambiente ainda mais conducente para o desenvolvimento social e emocional bem sucedido.

A posição da American Psychological Association está disponível no link http://www.apa.org/news/press/response/gay-parents.aspx. Um sumário da pesquisa pode ser encontrado no link http://www.apa.org/about/policy/parenting.aspx
O relatório técnico da American Academy of Pediatrics está disponível no link  http://pediatrics.aappublications.org/content/early/2013/03/18/peds.2013-0377.full.pdf+html


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Deepak Chopra nega que HIV causa AIDS

por Felipe Nogueira

Já fiz um post criticando Deepak Chopra pelo seu uso errado de palavras científicas em conjunto com as suas idéias espirituais. Por isso que eu considero o Chopra um dos "ícones" da pseudociência.

Para quem não sabe, Chopra é médico e, frequentemente, usa suas credencias para dar respaldo às coisas sem sentido que ele diz. Mas no vídeo a seguir acho que ele foi um pouco além, falando diversas coisas erradas relacionadas AIDS, inclusive negando que HIV causa AIDS.

Isso aconteceu numa entrevista , disponível no Youtube, abaixo. O título do vídeo já é rídiculo: "Duas Grandes Mentes questionam HIV/AIDS - Fraude?" (pelo visto, o vídeo é antigo, de 1990)
Escutem a partir de 22:30, onde o entrevistador Tony Robbins diz que HIV não é a fonte de AIDS, e Deepak Chopra concorda:
Chopra: HIV pode ser o agente precipitante em um hospedeiro suscetível. O agente material nunca é a causa da doença. Pode ser o fator final em induzir a síndrome completa em alguem que já está suscetível.
Robbins: Mas o que os torna suscetíveis?
Chopra:  As suas próprias interpretações de toda a realidade que eles estão participando Robbins: Isso pode ser traduzido nos pensamentos deles, sentimentos, crenças e estilo de vida?
Chopra: Certamente. Na verdade, eu tenho vários pacientes com a tão chamada AIDS, esse é o rótulo que damos para eles, que estão mais saudáveis que a maioria da população que é esta vivendo em Boston. 
Robbins: Mas alguém disse para eles que eles tinham doença? 
Chopra: Sim, alguém disse isso a eles. 
Robbins: E eles acreditaram. 
Chopra: Exatamente. E o rótulo não é a doença. AIDS não é a doença. Estamos facilitando o processo através de nossos próprios pensamentos, crenças, emoções, idéias e interpretações. Quando eles aceitam, eles fazem com que aconteça. É uma profecia auto-realizável. 
Robbins: Talvez eles estão tomando AZT com o efeito colateral de imunossupressão.  
Chopra: Sim. As implicações disso são enormes e ameaçadoras. É um sistema de crença coletivo, uma hipnose de condicionamento social. É uma doutrinação cultural, social e religiosa. Psicólogos chamas isso de "comprometimento cognitivo precoce" ("premature cognitive commitment").

Os fatos são os seguintes:
  • AIDS é causada pelo HIV;
  • Adquirir HIV não depende apenas da exposição ao vírus HIV. Por exemplo, ter relação sexual com uma pessoa infectada não é garantia de infecção. Por outro lado, a chance de aquirir HIV em uma transfusão com sangue contaminado é muito alta. No entanto, sem exposição ao HIV, não há como uma pessoa adquirir o vírus e nem desenvolver AIDS;
  • Suas emoções, pensamentos, crenças e interpretações da realidade não impedem que você adquira HIV. Alguém pode acreditar e pensar, por exemplo, que preservativo não reduz a chance de adquirir o vírus, mas isso não mudará a realidade; 
  • Se infectado com HIV, é muito provável que a pessoa desenvolva AIDS. Isso pode levar anos, mas imunidade ao vírus é bem improvável (e suas crenças não o tornarão imune ao vírus); 
  • AZT e outros anti-virais são eficientes em pacientes com AIDS. Os anti-virais reduzem a carga viral, diminuindo a chance de infectar outras pessoas.  
Ao ser criticado de forma pertinente pelo biólogo Jerry Coyne, Chopra fez um comentário, falando coisas totalmente diferentes do que ele disse na entrevista, inclusive reconhecendo que HIV causa AIDS. Entretanto, Chopra não menciona absolutamente nada HIV causar AIDS e o uso do AZT ser um "doutrinação cultural, social e religiosa".








sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Segunda Coluna na Newsletter Skeptical Briefs

por Felipe Nogueira

Como expliquei em um post anterior, sou colunista regular da Skeptical Briefs, que é a newsletter da organização de divulgação científica, do ceticismo e pensamento crítico The Committee of Skeptical Inquiry. 

Na edição de inverno de 2014/2015, foi publicada minha segunda coluna, um artigo com o título Pseudoscience and Bad Science in the Brazilian Scientific American (Pseudociência e Ciência Ruim na Scientific American Brasil). 

Nessa coluna, eu discuti sobre alguns artigos ruins que foram publicadas sob o nome da Scientific American Brasil. É importante enfatizar, como eu fiz na coluna, que a revista brasileira é diferente da americana, com o seu próprio processo editorial. A edição brasileira tem o direito de publicar artigos traduzidos da revista original assim como adicionar artigos escritos por jornalistas ou pesquisadores brasileiros. 

O motivo da minha coluna foi um artigo sobre ansiedade publicado na edição de Outubro de 2014 da Mente e Cérebro, uma revista brasileira que também tem o nome da Scientific American na sua capa. O artigo foi escrito por uma jornalista brasileira e sub-editora da revista. O problema é que a última seção do artigo era qualquer coisa menos ciência. Era uma defesa e recomendação do uso da acupuntura para tratar ansiedade inundada com afirmações pseudocientíficas, como "Cada emoção está relacionada com um órgão - a ansiedade está assoaciada ao coração". (Em resposta à essa seção terrível, enviei uma crítica por email à editora da revista) 




Mencionei também outros dois artigos publicados na Scientific American Brasil. Um deles foi uma nota pseudocientífica sobre homeopatia publicada em 2012 e a médica Harriet Hall já o criticou de forma pertinente no blog Science Based Medicine.

O outro artigo não era pseudociência, mas a conclusão do autor sobre os efeitos do uso de maconha na saúde não era apoiada pelos dados que ele apresentou, exagerando os riscos, dizendo, por exemplo, que a causalidade entre o uso de maconha e episódios psicóticos está estabelecida. No entanto, os autores do artigo Adverse Health Effects of Marijuana Use, publicado no New England Journal of Medicine em 2014, concluíram que não é possível determinar com confiança que a maconha causa episódios psicóticos, mesmo que os usuários de maconha estão mais propensos a terem episódios psicóticos do que os não usuários.

A divulgação científica já está em falta no Brasil. Certamente não precisamos que as coisas piorem com revistas de prestígio como a Scientific American publicando artigos pseudocientíficos ou com ciência ruim nas suas revistas brasileiras.  

sábado, 24 de janeiro de 2015

Psicologia Anomalística

por Felipe Nogueira

Diversos psicólogos estudam como e por que as pessoas acreditam em diferentes coisas. Na divulgação científica, Michael Shermero psicólogo e fundador da Sociedade dos Céticos, já escreveu diversos livros nesse tema, como Cérebro e Crença e Por Que As Pessoas Acreditam Em Coisas Estranhas. Como outro exemplo, há também o psicólogo Bruce Hood, autor de Supersentido  

Há um tempo descobri o campo chamado Psicologia Anomalística. O psicólogo Christopher French é o diretor e criador da Unidade de Pesquisa de Psicologia Anomalística (APRU - Anomalistic Psychology Research Unit) na Universidade de Londres, Goldsmiths. Segundo French, a psicologia anomalística 
tenta explicar crenças paranormais e relacionadas e ostensivamente experiências paranormais em termos de fatores físicos e psicológicos conhecidos (ou conhecíveis). É voltada a entender experiências bizarras que muitas pessoas têm, sem assumir que há algo paranormal envolvido.  
Junto com a professora de psicologia anomalística e pensamento crítico Anna Stone, French é autor do interessante livro Anomalistic Psychology. O livro apresenta uma revisão bem abrangente das pesquisas da psicologia anomalística. Por exemplo, o Capítulo 2 resume as pesquisas que investigam as diferenças individuais associadas com a crença no paranormal, como idade, gênero, status socioeconômico, etc.

Sempre me lembro de há pessoas que insistem que há evidências científicas para a existência do paranormal (existência de espíritos, comunicação com mortos, percepção extranssensorial, psicocinese, etc.).  Entretanto,  French e Stone são bastante claros no seguinte trecho do livro
É possível, é claro, que as pessoas acreditem no paranormal porque forças paranormais realmente existem e essas pessoas tiveram uma experiência pessoal dessas forças. Essa é uma possibilidade que vem sendo levada a sério por muitos dos melhores intelectuais da história da ciência e considerável quantia de tempo e esforço vem sendo dedicada para provar que forças paranormais realmente existem. Depois de mais de um século de sérias pesquisas científicas investigando essa possibilidade, a comunidade científica permanece não convencida pelas evidências produzidas até hoje. O Capítulo 10 desse livro apresenta uma visão geral da parapsicologia que conclui que, embora algumas abordagens atuais aparentam pelo menos merecer pesquisas adicionais, a comunidade científica está completamente justificada no seu ceticismo. 
Em relação às evidências de testes controlados com médiuns, os autores dizem que diversos estudos solicitaram que mediums fornecessem uma leitura para diferentes pessoas. Posteriormente, cada pessoa era solicitada a escolher a leitura que melhor aplicasse a ela. De acordo com os autores, os resultados mostram que as pessoas não conseguem selecionar as leituras corretas, não oferecendo apoio para a hipótese da sobrevivência da consciência (que alguma parte da consciência sobrevive a morte).  

Como não terminei de ler, minha revisão do livro, se eu fizer, ficará para outro post. No entanto, o livro é bastante abrangente, explorando diversos tópicos relacionados à crença ou experiências paranormais.  Como exemplos:
  • crenças na infância; 
  • experiências de quase morte e experiências extracorpóreas
  • vieses cognitivos e vieses da memória;
  • leitura fria;
  • reconhecimento de padrões em dados aleatórios;
  • afirmações de contatos alienígenas;
  • o status científico da paranormalidade. 
A minha previsão é que qualquer um interessado na psicologia da crença, como eu, irá considerar esse livro bastante interessante e uma leitura obrigatória.