quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Existe um consenso científico sobre armas de fogo -- e a NRA não vai gostar

por David Hemenway
Tradução: Felipe Nogueira

Após a tragédia de Sandy Hook, jornalistas me ligaram com frequência perguntando por informações sobre armas de fogo. Eles queriam saber se leis de armas mais rigorosas reduzem a taxa de homicídio (eu disse que elas reduzem) e se leis de posse armas mais permissivas reduzem a taxa de crimes em geral (eu disse que não reduzem). Descobri que, nas suas matérias, os jornalistas escrevem que eu disse uma coisa e que outros pesquisadores de armas de fogo disseram o oposto. Fiquei incomodado com essa situação reportada da "minha palavra contra a dele" - porque eu sabia que a evidência científica estava do meu lado.

Um dos jornalistas com quem reclamei me disse que ele cobriu mudança climática por muitos anos. Ele me explicou que os jornalistas só foram capazes de parar com o relato "balanceado" dessa questão quando achados objetivos indicaram que a grande maioria dos cientistas pensa que a mudança climática está ocorrendo e que é causada pelos humanos.

Então, decidi determinar objetivamente, através de questionários, se existia um consenso científico sobre armas de fogo. O que achei não agradará a National Rifle Association.

Meu primeiro passo foi juntar uma lista de cientistas relevantes. Decidi que, para estar apto para responder o questionário, o pesquisador deveria ter publicado sobre armas de fogo em um periódico científico com revisão por pares e que o pesquisador deveria ser um cientista em atividade - alguém que tenha publicado um artigo nos últimos quatro anos. Eu estava interessado em ciência social e questões políticas, então queria que os artigos fossem relevantes diretamente. Não estava interessado em cientistas fazendo pesquisa em ciência forense, história, tratamento médico, questões psiquiátricas, engenharia ou armas diferentes das armas de fogo (por exemplo, pistola de pregos)

A maioria dos cientistas que estava publicando artigos relevantes era das áreas de criminologia, econômica, política pública, ciência política e saúde pública. Como normalmente há muito mais autores em artigos de saúde pública que nos de criminologia, para ter uma lista balanceada, decidi incluir apenas o primeiro autor. Estudantes de graduação que trabalham para mim identificaram mais de 300 primeiros autores distintos e encontraram mais de 280 endereços de email.

No mês de Maio de 2015, começamos a enviar pequenos questionários mensais. A primeira pergunta de cada questionário perguntava se cada um concordava com uma afirmação particular relacionada às armas de fogo. As pergunta seguintes pediam para avaliar a qualidade da literatura científica, assim como o seu próprio nível de familiaridade com a literatura científica com aquele tópico em particular. 

"É claro que é possível encontrar pesquisadores que estão do lado da NRA, acreditando que as armas tornam nossa sociedade mais segura, em vez de mais perigosa. Como mostrei, entretanto, eles são a minoria." 

Então, por exemplo, um questionário perguntou se ter uma arma em casa aumenta o risco de suicídio. Um grande parcela das 150 pessoas que responderam, 84%, disse sim. 

Esse resultado não é tão surpreendente assim, porque a evidência cientifica é abundante. Inclui uma dezena de estudos em nível do indivíduo que investigam por que algumas pessoas cometem suicídios e outras não e quase o mesmo número de estudos em nível de área ampla que tentam explicar diferenças nas taxas de suícidio entre cidades, estados e regiões. Esses estudos de área descobriram que as diferenças nas taxas de suicídio ao longo do país são menos explicadas pelas diferenças nas taxas de saúde mental ou na idealização de suicídio do que pelas diferenças nos níveis de posse de arma de fogo dentro das residências.  

Uma meta-análise de estudos científicos sobre armas e suicídios, publicada em 2014 e conduzida por pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco, concluiu que o acesso à arma de fogo aumenta o risco de suicídio. Similarmente, a Estratégia Nacional de Prevenção de Suicídio de 2012 da National Action Alliance for Suicide Prevention e do Cirurgião Geral dos Estados Unidos concluiu que "acesso à arma de fogo é um fator de risco para suicídio nos Estados Unidos".  

Como eu disse, eu não fiquei surpreso com os resultados desse questionário. Mesmo assim, foi bom poder documentar que a grande maioria dos pesquisadores de armas chegou à mesma conclusão sobre armas de fogo e suicídio através de suas leituras individuais da literatura científica.  

Também encontrei ampla confiança de que uma arma em uma residência casa aumenta o risco de uma mulher vivendo nessa residência ser vítima de homicídio (72% concordam, 11% discordam) e que uma arma na casa torna-a um local mais perigoso (64%) ao invés de um local mais seguro (5%). Existe um consenso de que as armas não são usadas em defesa pessoal mais do que são usadas no crime (73% vs. 8%) e que uma mudança para leis mais permissivas de porte de arma não reduziu a taxa de crime (62% vs. 9%). Finalmente, há consenso que leis mais rígidas de armas reduzem homicídio (71% vs. 12%). 

É claro que é possível encontrar pesquisadores que estão do lado da NRA, acreditando que as armas tornam nossa sociedade mais segura, em vez de mais perigosa. Como mostrei, entretanto, eles são a minoria. 

O consenso científico nem sempre está certo, mas é o melhor guia que nós temos para entender o mundo. Será que os jornalistas poderiam por favor parar de fingir que os cientistas, assim como políticos, estão igualmente divididos sobre as armas? Não estamos.  

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David Hemenway é professor na Escola de Saúde Pública de Harvard e diretor do Harvard Injury Control Research Center

sábado, 22 de julho de 2017

What the Health: Um filme com uma ideologia

por Harriet Hall
fonte: Science-Based Medicine.org
tradução: Felipe Nogueira

O documentário "What the Health" expõe o conto de fadas que todas as principais doenças (doença cardíaca, diabetes, câncer e muitas outras) podem ser evitadas e curadas através da eliminação de carne e laticínios da dieta. É uma descarada polêmica para o veganismo, enviseado e enganador,  não sendo uma fonte confiável de informação científica.


                                         



Muitas pessoas me pediram para revisar o documentário What the Health, e como estava disponível através da minha assinatura do Netflix, então assisti, fazendo anotações. A tese do documentário é que carne e laticínios estão nos matando e que todas as principais doenças podem ser evitadas e curadas adotando uma dieta baseada em plantas. Apresenta testemunhos emotivos e estudos científicos selecionados e sugere que a maioria das organizações de saúde e agências governamentais foram "compradas" pela Big Food (indústria alimentícia) e Big Pharma (indústria farmacêutica) e estão conspirando para esconder a verdade do público. 

O documentário começa com o aforismo de Hipócrates "Que seu remédio seja seu alimento e que seu alimento seja seu remédio". Hipócrates morreu em 370 A.C. e antes disso havia muita coisa no caminho da medicina eficaz e antes da ciência ter aprendido muito sobre alimentos (como a existência de vitaminas).  Então, Hipócrates dificilmente é uma autoridade com credibilidade, mas mesmo que fosse, o apelo à autoridade é uma falácia lógica. O filme tenta convencer os telespectadores que alimento é remédio, e que alimento é todo remédio que precisamos para prevenir e curar obesidade, diabetes, doença cardíaca, câncer, e várias outras doenças crônica. Não me convenceu.

O produtor do filme, Kip Anderson, se descreve como um ex-hipocondríaco que antigamente assumia que ele estava destinado pela sua genética a desenvolver doença cardíaca, câncer e diabetes, assim como outros da família dele. Em algum momento na vida, ele foi exposto à crença de que uma alimentação saudável pode prevenir e curar todas essas doenças. Essa foi uma revelação completa e ele se sentiu traído. Ele diz, "a sensação era de que essa informação tinha sido escondida". Ele prosseguiu, entrevistando médicos e outros que acreditavam nessa crença, além de encontrar no Google informações que apoiavam a crença. O viés da confirmação foi eficiente, como sempre é. Ele falhou em obedecer a minha Lei da SkepDoc: antes de aceitar uma afirmação, tente descobrir quem discorda e por que. A maioria de nós não acredita que todas essas doenças podem ser evitadas e curadas pela dieta, porque não há evidências para isso. 

Carne processada   

Ele cita um resumo de estudos epidemiológicos mostrando que comer uma única porção de carne processada por dia aumenta o risco de câncer de cólon em 18%. Em primeiro lugar, estudos epidemiológicos apenas mostram correlação, não causalidade. Segundo, esse aumento de 18% é no risco relativo, não no risco absoluto. Terceiro, não leva em consideração a taxa base de câncer de cólon. Em uma estimativa, o seu risco de desenvolver câncer de cólon até 65 anos é 2,9%, caso você não coma carne processada, e 3,4% se você comer uma porção ao dia. Então, de 100 pessoas que evitam carne processada, 2,9 desenvolverão câncer de cólon. De 100 pessoas que comem uma porção ao dia, 3,4 desenvolverão câncer de cólon: a diferença em risco absoluto é um caso a mais de câncer de 200 pessoas, o que soa muito menos alarmante que o cenário dos 18%. E pode haver muitos fatores de confusão que influenciam o real risco de uma pessoa, como genética, consumo de sal (carne processada como bacon possui um alto conteúdo de sal), tabagismo, e outros fatores que podem ser mais comuns em pessoas que comem muitas carnes processadas. 

Ele faz um grande alarde da classificação de carne processada da IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer) como carcinogênico do Grupo 1, o mesmo grupo de cigarro, amianto e plutônio. O documentário interpreta isso como se cachorros-quentes e bacons fossem tão perigosos quanto cigarros, mas isso simplesmente não é verdade. Cigarros aumentam o risco de câncer de pulmão em 1900%! A página de informações da OMS afirma claramente que a classificação no Grupo 1 é baseado na força da evidência de que carne processada causa câncer, não no nível do risco. NÃO significa que tudo nesse grupo é igualmente perigoso. Eles concluíram que carne processada causa câncer de cólon, mas que havia evidências insuficientes de uma associação com câncer de estômago. 

Mas a OMS NÃO recomendou que as pessoas parassem de comer carne. Eles explicaram, "comer carne tem  conhecidos benefícios para saúde. Muitas recomendações nacionais de saúde recomendam as pessoas a limitar o consumo de carne processada e vermelha, que estão ligadas ao aumento no risco de morte por doença cardíaca, diabetes, e outras doenças". 

Carne vermelha    

A IARC classificou carne vermelha como carcinogênico do Grupo 2, mas isso apenas quer dizer que que há evidências limitadas para uma associação com câncer colorretal e possivelmente câncer pancreático e de próstata. Eles explicam: 

Evidências limitadas significam que uma associação positiva foi observada entre a exposição a esse agente e câncer, mas outras explicações para essas observações (tecnicamente chamadas acaso, viés e fatores de confusão) não puderam ser eliminadas.  
Cheque de realidade: o documentário apresenta uma versão alarmista da informação que tem sido amplamente aceita por décadas e faz parte de diretrizes nutricionais. O consenso é que carne processada deve ser limitada; mas os dados sobre carne vermelha não processada não são claros. Apenas veganos recomendam a eliminação total de carne. 

Mortes evitáveis 

O documentário afirma que a alimentação causa a maioria das doenças e que 70% das mortes são evitáveis através de mudanças no estilo de vida. Eles dizem que obesidade é uma "sentença de morte" que certamente vai levar à diabetes e frequentemente ao câncer. Um estudo recente analisou a associação entre fatores da dieta e mortalidade por doença cardiovascular e doença cardíaca. Como um todo, dez fatores relacionados à dieta foram responsáveis por 45,4% das mortes. Apenas 0,4% dessas mortas foram associadas com alto consumo de carnes vermelhas não processadas e 8,2% com um alto consumo de carnes processadas. Baixo consumo de frutas e vegetais foram associadas com 7,5% e 7,6% das mortes respectivamente. De acordo com o CDC, algo entre 20 e 40% das cinco principais causas de morte podem ser prevenidas por mudanças no estilo de vida, mas não apenas mudanças na dieta. O cigarro é a causa número de mortes evitáveis, e não dieta inadequada; outros fatores de estilo de vida importantes são uso de álcool, falta de exercício, exposição ao sol, e não usar de cintos de segurança e capacetes. A estimativa de 70% é um exagero; a verdadeira proporção de mortes evitáveis pelo estilo de vida é provavelmente menor que 50%. E a dieta tem um impacto relativamente pequeno comparado ao outros fatores de estilo de vida. O documentário nos diz que fatores da dieta são mais importantes que tabagismo, mas claramente isso não é verdade. Nos diz que dietas baseadas em plantas vão parar e reverter doença cardíaca e que câncer de mama pode ser evitado pela dieta. Como eu gostaria!

Diabetes    

Estamos no meio de uma epidemia de diabetes (de adulto/tipo II). O documentário nos diz que diabetes não é causada por açúcar: carne e gordura causam diabetes. Diz que carboidratos não engordam, apenas gorduras. Diz que o corpo não pode converter carboidrato em gordura (sim, pode!). Eles mencionam um estudo de Harvard mostrando que um porção de carne processada ao dia aumenta o risco de diabetes em 51%, mas essa revisão sistemática de 2017 diz que aumenta o risco em 19%. E lembre, isso é risco relativo, não risco absoluto. 

O documentário diz que o risco de diabetes do tipo 1 aumenta pela exposição a laticínios na juventude, mas esse estudo diz o oposto. Exposição precoce não é um fator de risco e pode na verdade reduzir o risco. Esses são apenas dois de muitos exemplos de como o documentário seleciona apenas os estudos que apoiam suas crenças e ignora informação contraditória. 

Carne de frango

A carne de frango é melhor que a carne vermelha? Eles dizem, "É uma questão se você prefere tomar um tiro ou ser enforcado". Dizem que carne de frango é a principal fonte de colesterol na dieta americana e a principal fonte de sódio porque os frangos recebem injeções de água salgada. Eles  nos contam que o risco de câncer de próstata é quatro vezes maior com consumo de carne de frango. (Não é verdade: essa meta-análise não encontrou nenhuma associação). Um comediante saiu de um evento da ADA (American Diabetes Association) onde serviam frango, dizendo que era como servir álcool numa reunião dos Alcoólicos Anônimos. O documentário diz que a carne de frango é carcinogênico e restaurantes de fast-food podem ser exigidos de anunciarem essa afirmação. Mas advinha? Frutas e vegetais também possuem carcinogênicos! Mas eles não recomendam alertarem os veganos sobre os carcinogênicos que eles estão ingerindo pelas plantas. Claramente, um peso, duas medidas.   

Ovos

O documentário nos diz que gemas de ovos são pura gordura e colesterol (não é verdade; elas contem metade das proteínas do ovo junto com vitaminas, aminoácidos essenciais e outros nutrientes). Um "especialista" nos diz que gema de ovo tinge nossas células vermelhas (!?), afinam o sangue, e alteram níveis de hormônio. Eles afirmam que comer um ovo diminui a longevidade tanto quanto fumar 5 cigarros. Eu duvido. 

Queijo 

Eles nos dizem que queijo é um dos piores alimentos; eles descrevem como "pus de vaca coagulado" É viciante, metaboliza em um composto que se liga a receptores de heroína no cérebro. Pode causar síndrome da morte súbita infantil ou autismo. 450 drogas são administradas nos animais e as companhias escondem informação sobre o que há nos seus produtos. 

Peixe

Eles dizem que as diretrizes nutricionais estão erradas em sugerir a substituição de carne vermelha por peixe. Peixe contem mercúrio, PCBs, colesterol, pesticidas, herbicidas. Peixes de cativeiro contém antibióticos e antifúngicos. 

Leite

Eles dizem que leite de vaca é "terrível". Está cheio de coisas ruins, como gorduras saturadas, colesterol, e pus. Um pediatra diz que causa eczema, acne, constipação, refluxo e anemia ferropriva em crianças. Ele diz que é o alimento mais alergênico. Laticínios estão relacionados com muitos tipos de câncer, assim como asma, esclerose múltipla, diabetes do tipo 1, e doenças reumatológicas e autoimunes. Leite não constrói ossos fortes: pessoas que bebem leite têm mais fraturas e não vivem muito. Não devemos beber leite: a intolerância à lactose é a norma em adultos. Americanos africanos têm alta prevalência de intolerância à lactose. O governo os encoraja a consumir leite, mesmo sabendo que isso irá adoecê-los; isso seria um tipo de "racismo institucionalizado". Mencionam também racismo em conjunto com a pulverização em fazendas de suínos, afirmando que a poluição é maior onde há comunidades Africo Americanas. 

Outras afirmações questionáveis

Comer "toxinas de bactérias de carne morta" causa um imediato surto de inflamação, levando a imediato danos em minutos, estreitando nossas artérias e reduzindo a capacidades das artérias de relaxarem pela metade (?!). Comer carne causa dano no cérebro que é diagnosticado erradamente como Alzheimer. A doença da vaca louca está matando pessoas e o governo não admite. Muitos estudos são financiados pelas indústrias da carne, ovo e laticínios para deliberadamente criar dúvida, assim como a indústria do cigarro fez quando disse "a dúvida é o nosso produto". As recomendações de dieta do Governo vêm de um painel composto de representantes da indústria. O governo aprisiona as pessoas que vão contra eles e até criminaliza pessoas por simplesmente tirar uma foto ou filmar o que ocorrer dentro de uma indústria de animal. Os delatores são silenciados por leis "ag-gag". Aparentemente, o governo está em comparação com as indústrias farmacêutica, alimentícia e com organizações como American Diabetes Association (ADA) e American Cancer Society (ACS); todos motivados em fazer dinheiro, não em manter as pessoas saudáveis. Somos anatomicamente frugívoros (comedores de frutas), não onívoros: você pode saber isso porque não temos o tipo de dente necessário para um carnívoro rasgar, morder sua presa até a morte. (Eles esquecem que temos cérebros e ferramentas que nos equipam para caçar, matar e cozinhar carne, sem a menor necessidade de caninos e garras. Prova adicional que somos frugívoros é que achamos batidos feito com frutas mais saborosos que os feitos com carne!

Criticas à medicina convencional

Eles são bem críticos à medicina convencional. Els mencionam os mesmos argumentos fracos para críticar médicos que debancamos muitas vezes. Os médicos não estão interessados em prevenção (absurdo! Foram eles inventaram a prevenção). Médicos não consideram as causas subjacentes da doença (eles sempre consideram, quando há evidência para uma causa subjacente). Médicos condenam pacientes a tomar medicações para o resto da vida; se você seguir a recomendação deles, você nunca vai melhorar (se você seguir o conselho, você pode não ser curado de uma doença incurável, mas viverá mais). As pessoas que tomam estatinas ainda tem ataque cardíaco (verdade, mas eles têm menos ataques). Médicos não aprendem sobre nutrição (absurdo, eles entendem os princípios, mas deixam a recomendação individual de dieta para nutricionistas). A indústria farmacêutica e os médicos investiram bastante em manter as pessoas doentes (mesmo se eles não se importassem com seus pacientes, certamente teriam investido bastante em ficar eles mesmos saudáveis e manter saudáveis seus amigos e entes queridos).

Ligando para American Cancer Society

Nas primeiras de muitas vinhetas de ligaçãoes telefônicas, o produtor do filme, Kip Anderson, liga para American Cancer Society perguntando o motivo pelo qual eles não avisam sobre os perigos da carne vermelha no site da sociedade. Ele é colocado em espera, mas eventualmente é concedido uma entrevista. A entrevista é cancelada e a sociedade para de responder quando percebem que ele apenas quer argumentar com eles sobre dieta e câncer. Não fiquei surpresa. A recomendação da sociedade é baseada em avaliações por especialistas de toda evidência publicada e não é provável que eles mudem de ideia porque um único indivíduo, que não é cientista, com um propósito aparece para argumentar com eles.

O truque da ligação telefônica é repetido com a American Diabetes Association. O produtor quer saber por que eles não colocam claramente no site que carne vermelha causa diabetes e como eles conseguem incluir uma receita de camarão enrolado com bacon! Ele eventualmente consegue entrevistar um portavoz da ADA, que responde educadamente que há evidências insuficientes que a dieta pode curar diabetes, e diz "nós recomendamos uma dieta saudável". Ele reconhece que há estudos, mas argumenta que muitos deles não foram replicados ou estão errados; é por isso que fazemos revisão por pares. O produtor Anderson continua mencionando estudos individuais até que o porta-voz perde a paciência e interrompe a entrevista, explicando que não quer entrar numa discussão. Anderson interpreta isso como se a ADA não tivesse interessada em prevenção ou cura.

Então, ele liga para a American Heart Association, perguntando por que eles incluem uma receita de bife e ovos. Ele obtém uma resposta similar. Ele interpreta essas inquisições telefônicas sem respostas como obstrução e uma tentativa organizada de esconder a verdade. Ele descobre que a ACS, ADA e AHA e outras organizações convencionais são financiadas em parte por produtores de alimento, como Dannon, Kraft, Tyson e cadeias de restaurante fast-food como KFC. Ele diz que não podemos confiar nessas organizações, porque estão pegando dinheiro das companhias que causam as doenças que eles querem prevenir.

Como um analogia, eu não consigo parar de pensar como a American Academy of Pediatrics responderia a uma ligação aleatória exigindo que seu site avisasse que vacinas podem causar autismo e reclamando que médicos não podem ser confiáveis, porque são pagos pela indústria farmacêutica que vendem vacinas. Eu não os culparia, caso desligassem o telefone.

Os benefícios de uma dieta vegana

A American Diabetes Association fez uma declaração sobre dietas veganas/vegetarianas, listando vários benefícios para saúde, mas lembrando que há variabilidade nas dietas e a necessidade de avaliar individualmente a adequação nutricional.

O filme afirma que os pacientes que sofrem com artrite reumatóide podem parar de tomar suas medicações, mas essa revisão sistemática concluiu que os efeitos das intervenções nas dietas são incertos.

Muitos dos argumentos para o veganismo não são relacionados à saúde, mas morais. Animais sofrem pelo confinamento, as condições são insalubres, eles produzem gazes do efeito estufa e são ruins para o ambiente.

Testemunhos

Eles entrevistas pessoas que viraram veganas cujos testemunhos são inacreditáveis. Uma mulher obesa foi ao médico por causa de asma; depois de um exame PCR (não é indicado!), o médico dela supostamente disse que "ela estava próxima de um ataque cardíaco em 30 dias". Acho difícil de acreditar que algum médico faria tal previsão. Ela supostamente apresentou remissão completa da asma e dor crônica apenas duas semanas adotando uma dieta baseada em plantas; ela foi capaz de parar seus remédios da asma, dor, doença cardíaca e depressão.

Atletas de elite que viraram veganos relatam melhorias nas recuperações de lesões e uma performance de "100%". Uma paciente afirmou que dieta baseada em plantas curou seu câncer de tireoide em um 1 ano. Uma paciente agendada para substituição bilateral de quadril disse que foi capaz de andar sem dor e parar todas suas medicações após duas semanas. Permaneço cética.

O produtor do filme fornece o seu próprio testemunho que "dentro de poucos dias eu pude sentir meu sangue correndo pelas minhas veias com uma nova vitalidade" (eu não consigo sentir o sangue correr pelas minhas veis; você consegue?) Ele se recusa comer até um pequeno pedaço de alimento animal, não por questões de saúde, mas porque ele não consegue apoiar uma indústria que está causando tanto sofrimento em comunidades, famílias e todas as vidas no planeta. Ele rejeita o argumento "tudo em moderação" porque a evidência não mostra que comer pequenas porções de alimento animal é saudável.

Conclusão: espetáculo, não ciência 

Há indiscutíveis vantagens à saúde de uma dieta baseada em platas, mas a evidência é insuficiente para recomendar que todo mundo adote uma dieta vegana. O documentário What the Health não é balanceado, mas é uma polêmica alarmista e enviesada. Faz "contagem de cerejas" nos estudos científicos, exagera, e faz afirmações não verdadeiras, se baseia em testemunhos e entrevistas com "especialistas" questionáveis, e falha em colocar a evidência em perspectiva. Não apresenta nenhuma evidência para apoiar a afirmação que uma dieta vegana pode prevenir e curar a maioria das doenças. Simplesmente não é uma fonte confiável de informações de saúde.

O consenso de cientistas, médicos, e nutricionistas é que uma dieta vegana pode ser saudável, mas não é a única dieta saudável. Nós como sociedade devemos comer mais plantas, mas não precisamos rejeitar totalmente comida animal. Uma dieta saudável pode incluir ovo, leite, queijo, peixe, marisco, alguma carne vemelha e até uma pequena quantidade de carne processada. Certamente não há evidências claras que nos convenceria que todo mundo deveria completamente abandonar alimento animal. Não precisamos cortar ovos, bacon e um steak ocasional. Há riscos para quase tudo que fazemos (até carcinogênicos em uma dieta vegana) e a maioria de nós aceitaria um pequeno risco hipotético para poder consumir as comidas que gostamos. Até melhores evidências aparecerem, acho que a abordagem "moderação em todas as coisas" é bem razoável. 

domingo, 23 de abril de 2017

Jerry Coyne sobre tabus na ciência, ceticismo, e a incompatibilidade entre fé e fato

por Malhar Mali
Fonte: Areo Magazine
tradução: Felipe Nogueira

Jerry Coyne é professor emérito no Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade de Chicago. Como um cientista produtivo e comentarista em uma grande variedade de tópicos, Dr. Coyne construiu uma reputação não apenas pela sua inquisição científica e livros, mas também pelas suas críticas ao criacionismo, design inteligente, religião e, recentemente, infrações nos princípios de liberdade de expressão. Ele participou do podcast Waking Up with Sam Harris, do programa The Rubin Report e tem palestrado ao redor do mundo sobre evolução e os méritos da ciência. Seu trabalho foi premiado pelas revistas The Atlantic, Forbes e Scientific American. Eu conversei com ele sobre tabus no campo dele, sobre a defesa da liberdade de expressão, e seus pensamentos sobre a co-existência da ciência e religião. 

A seguir é a nossa conversa transcrita e editada para torná-la mais clara. 

Malhar Mali: Vamos falar sobre a liberdade de explorar ideias na ciência. As diferenças entre gênero e raça são tabus ou tópicos indiscutíveis? O quanto isso vem das humanas? Me lembro de uma leitura com o título "A Construção Social da Raça" onde o autor, Ian Lopez, argumentou eloquentemente que a raça não é uma realidade biológica e que isso é uma "construção social".

Jerry Coyne: Essa é uma questão difícil e um campo minado ideologicamente. Muitas críticas anti-científicas vem das humanas - por pós-modernistas, na grande maioria. Isso é um pouco curioso porque pós-modernistas não acham que alguma verdade seja privilegiada. Então se você diz que "raça é biológico" isso é menos verdade do que "raça é uma construção social"? 

Antropologistas culturais e Esquerdistas também possuem problema com isso. E eu sou um Esquerdista, mas também um cientista e eu não gosto de algumas perguntas serem consideradas inúteis ou tabus se elas são perguntas respondíveis cientificamente. Por exemplo, a questão da raça: em uma época - antes dos humanos começarem a misturar e antes da haver transportes, há aproximadamente 200 anos - havia grupos de população distintos sexualmente. Isso representava isolados humanos que migraram pelo mundo. Os Norte e Sul Americanos, Polinésios, Asiáticos Ocidentais, Africanos, etc. Nessa época, eles eram bem distinguíveis.  

Atualmente, devido a indefinição causada pelo transporte e miscigenação, não vemos a mesma diferenciação - mas mesmo assim vemos alguma diferenciação genética ao redor do mundo. Você pode chamá-las de raças populacionais, mas eu chamaria de "populações geneticamente distintas" apenas para evitar a ideologia. As diferenças genéticas não são grandes. Isso porque deixamos a Africa apenas 60.000 anos atrás e não teve tempo suficiente para diferenças genéticas profundas ocorrem.  

Mas os puristas ideologicamente vão além. Eles dizem, "Não há praticamente nenhuma diferença biologicamente entre grupos de pessoas". E isso está errado. As diferenças fisiológicas, a cor da pele, a cor do olho, etc, são biológicas e genéticas. Há diferenças. A questão é se existe outras diferenças ainda não encontradas. 

E isso é aonde a ideologia nega qualquer raça, etnia, ou qualquer diferença biológica, porque eles acham que isso vai levar ao racismo. Mas é possível afirmar que há diferenças biológicas entre populações, sem afirmar que há uma superioridade inata de um grupo sobre o outro. Mas essas pessoas acham que não somos espertos o suficiente para perceber isso. O mesmo ocorre com estudos de gêneros. 

Todo mundo sabe que há diferenças biológicas entre machos e fêmeas. Se nada além, pelo comportamento sexual. Essas são diferenças evoluídas e adaptativas. Se olharmos para animais, no geral, os machos não são muito discriminantes em relação ao que eles procuram sexualmente, enquanto as fêmeas são discriminantes.  E isso ocorre por boas razões evolutivas. Nós temos isso na nossa espécie também, mas para humanos é dito que é uma construção social, por exemplo, um resultado do condicionamento social. 

Há sem dúvida outras diferenças de gênero também. Não sou completamente familiarizado com cada detalhe da literatura, mas é difícil não aceitar essa premissa quando vemos que nossos corpos evoluíram para serem diferentes - por que, afinal, os homens são maiores do que as mulheres? - então porque não outros aspectos dos humanos. As diferenças no tamanho corporal provavelmente resultaram da competição entre homens por mulheres. E se há diferenças morfológicas entre homem e mulher que evoluíram nos últimos seis milhões de anos da nossa história, por que negamos diferenças psicológicas? 

Finalmente, isso está relacionado ao terceiro tabu, que é a psicologia evolucionária. Há alguns comportamentos humanos que psicólogos evolucionários argumentam que são os remanescentes da seleção natural nos nossos ancestrais. A premissa é simples: como nossos corpos, nossa mente também possui traços de nossos ancestrais. Isso não é controverso - a questão é quais comportamentos? Essa é a tarefa da psicologia evolucionária. 

Há pessoas como [o biólogo] PZ Myers que diz "eu rejeito a premissa da psicologia evolucionária". Quando ele diz isso, está rejeitando toda a premissa de qualquer evolução em nossa espécie. A visão deles é: estamos sozinhos, supostamente porque temos cultura, então estamos isentos do ancestral biológico nos nossos corpos e comportamentos. 

MM: Eu vejo isso como a versão da Esquerda do criacionismo. Que nós nascemos como folhas de papel em branco (tábulas rasas).

JC: Isso é que [o psicólogo] Steven Pinker cobre no seu excelente livro Tábula Rasa. Eu sou um Esquerdista. Eu não gosto de sexismo. Eu não gosto de discriminação de gênero. Mas eu acho bem interessante pensar sobre as diferenças entre homens e mulheres e eu quero saber o quanto delas são biológicas. Eu quero saber sobre qualquer diferença entre groups étnicos humanos. 

Algumas dessas perguntas são difíceis de responder. Mas não quer dizer que elas são inacessíveis. Há algumas perguntas que você pode não querer investigar porque elas tem um potencial efeito prejudicial maior. Por exemplo: Os Judeus possuem alguma base genética para adquirir dinheiro? Por que alguém iria querer pesquisar essa pergunta? Apenas porque alimenta um esteriótipo que já está presente. 

Eu acho que nenhuma pergunta é tabu. Algumas perguntas são potencialmente mais prejudiciais que outras.  

MM: Mudando de assunto, parece que aquilo que os céticos deveriam estar focados muda constantemente. Nos anos 90 e início dos anos 2000, era a direita-cristã e contra criacionismo. Na última década mais ou menos, tem sido Islamismo, misturando com pós-modernismo e a "cultura da vitimização" na Academia. Você acredito que é agora o tempo para focarmos mais atenção no Trump e na sua administração - ou o cenário é mais complicado?

JC: Muitos da Esquerda parecem pensar que devemos concentrar todas as nossas energias em uma questão apenas. Isso é enganoso. Eu certamente consigo perceber feministas ocidentais tentando eliminar o sexismo dos Estados Unidos, mas não se preocupando muito com a mutilação feminina - mesmo que isso seja um problema maior, certamente na questão de danos. Não podemos consertar tudo de uma vez, e com frequência é mais fácil lidar com problemas na nossa cultura do em que em outros lugares. 

Acredito que o perigo mais prejudicial nos Estados agora é o Trump e sua administração. Não há muito o que possamos fazer. Não podemos "impeachmar" esse cara. Podemos escrever para nossos senadores e representantes, mas a maioria dessas pessoas são conservadoras. Então, vou dedicar um percentual da minha energia para isso, mas eu também vou gastá-la chamando a atenção para os excessos da Esquerda - principalmente porque eu tenho mais influência nos liberais.  
     
O que não gosto é as pessoas dizendo que você precisa prestar atenção nisso e param de prestar atenção naquilo. Eu vejo isso isso sempre no meu site. 

MM: Vejo alguns críticos que adotam essa posição. Os liberais estão gastando muito tempo focando na locura dos campus das universidades e nas infrações no princípio de liberdade de expressão. Eu sempre penso: bem, milhões de dólares estão sendo gastos quase todos os dias na crítica do Trump e sua administração por praticamente todas as mídias. Cada ação dele é analisada. O que mais você pode dizer que ainda não foi dito? 

JC: Todo mundo escreve sobre o Trump. Eu passo o meu feed de notícias e tudo é sobre o Trump. O que posso dizer que as pessoas ainda não disseram sobre o Trump? Há muitos megafones contra o Trump. Olhe para os vencedores do Óscar, falando em voz alta. 

Mas nem muitas pessoas estão falando sobre liberdade de expressão - especialmente na Esquerda. A liberdade de expressão pode desaparecer mais rápido do que as pessoas pensam. O Trump agora entrou no negócio de infringir a liberdade de expressão em muitas maneiras, atráves de agências do governo, ou acusando a mídia como New York Times de ser "notícia falsa". Então, um foco geral na Primeira Emenda é saudável para o país como um todo. Acredite, eu já tenho a minha parcela de criticismo ao Trump. Eu o desprezo, mas quando você diz algo diversas vezes, não há muito mais a ser dito.  

MM: Concordo. Próximo tópico:  você é um grande proponente contra a ideia da co-existência da religião e ciência - contra a hipótese [do paleontólogo] Steven Jay Gould, você falar sobre isso? 

JC: Há duas maneiras que as pessoas dizem que a ciência e religião são compatíveis. A primeira é dizer que há cientistas religiosos e pessoas religiosas que gostam de ciência. Isso é verdade. Mas isso não é compatibilidade, é compartimentalização. 

O que quero dizer sobre "incompatibilidade" é que a ciência e religião fazem afirmações sobre o que é verdade. A religião faz afirmações sobre a existência de um Deus, do inferno, etc. Cada religião tem as suas afirmações fatuais e afirmações de moralidade. Essas afirmações são as vezes incompatíveis. Apenas isso te diz que há algo errado com a religião. 

A principal incompatibilidade é que na ciência - mas não na religião - temos métodos de descobrir se suas afirmações são ou não verdade. Então, a incompatibilidade entre a ciência e religião é a incompatibilidade entre a superstição e racionalidade. É a incompatibilidade entre a metodologia que ciência usa para encontrar verdade - que é o método científico - versus a metodologia que a religião usa: revelação, autoridade, escritura, e dogma. Além disso, os resultados de tais busca pela verdade são diferentes. Religião fala de muitas "verdades" que não são verdadeiras: a Arca de Noé, O Dilúvio, Maomé voando no seu cavalo com asas, todas essas coisas. Então os resultados são incompatíveis, a metodologia é incompatível, e a filosofia é incompatível também (a ciência rejeitou o sobrenatural como uma explicação possível; a religião aceita).

A ciência rejeitou o sobrenatural porque na prática não foi mostrado que funciona. A afirmação do Gould é que você pode aceitar ciência e religião ao mesmo tempo. Um exemplo seria Francis Collins, o diretor do Instituto Nacional de Saúde, que é um cristão. 

Mas isso não prova compatibilidade. Quando Francis Collins entra no seu laboratório, ele vira um ateu. Ele não vai usar nada do sobrenatural na pesquisa dele. Mesmo assim, quando ele entra pelas portas da igreja dele no Domingo, ele aceita uma maneira diferente de julgar a verdade. Ele aceita mitos sobre ressurreição e salvação, para os quais não há qualquer evidência - essa é a incompatibilidade. 

A solução do Stephen Jay Gould foi analisar religião e ciência - fé e fato - separadamente. Ele disse que ciência e religião são compatíveis porque não são áreas interferentes, são magistérios não interferentes ou "MNI" como ele chamou. Na opinião dele, o escopo da ciência é fazer afirmações sobre a realidade, enquanto o escopo da religião é falar sobre significados, morais e valores. Porque elas operam em áreas diferentes, afirmou Gould, elas são compatíveis e podem co-existir sem antagonismo. Ele está errado sobre isso, porque a religião se recusa a não fazer afirmações sobre o mundo real! O que é um criacionismo, o qual 40% dos Americanos aderem, se não uma afirmação sobre a origem e desenvolvimento da vida e como veio a existir? Religião constantemente faz afirmações factuais. 

A grande oposição à afirmação do Gould de que a religião não faz afirmações sobre a religião vem de teólogos. No meu livro, eu documento diversas afirmações feitas por pessoas religiosas que dizem "Nós fazemos afirmações sobre a relidade. Está nas nossas escrituras!". 

A afirmação do Gould de que religião não faz a afirmação é completamente falho. Não sei da onde ele tirou isso. Não acho que ele realmente acreditava nisso, porque eu conhecia ele. Acho que ele estava apenas tentando ser legal com as pessoas. 

A outra afirmação - que significados, morais e valores são julgados pela religião - também é falho porque temos essa história de investigação secular na ética, moralidade, e valores da vida, iniciando com os Gregos, passando por Spizona, Kant, Hume, e nos dias de hoje temos Peter Singer, John Rawls, Anthony Grayling, todos os quais são filósofos seculares. Eles falam sobre moralidade e maneiras de viver sem sequer mencionar Deus, porque eles são ateus. 

No seu livro, Gould percebeu de repente que há essa tradição secular. Mas então ele diz, "Dane-se. Nós vamos apenas construir esse tipos de discussões como 'religiosos em sua natureza'. Ele requintou seu argumento apenas redefinindo o que religião é. Peter Singer e Anthony Grayling, pelos padrões de Gould, podem ser chamados de religiosos, mesmo sendo completamente ateus! Então, a ideia toda não funciona. Eu resenhei o livro do Gould Rock of Ages para o The Times Literary Supplement e basicamente disse que todo o livro não funciona.  Essa é uma falsa reconciliação entre a ciência e a religião. 

Religião e ciência não são compatíveis.   
      

sábado, 22 de abril de 2017

Tratar o vício como uma doença do cérebro promove injustiça social

por Carl L. Hart
fonte: Nature Human Behaviour
tradução: Felipe Nogueira

A visão do uso e dependência de drogas como uma doença cerebral serve para perpetuar políticas de drogas discriminatórias, custosas e não realistas, argumenta Carl L. Hart.


Mais de 25 anos atrás, comecei estudar neurociência porque pensava que essa abordagem iria unicamente corrigir o “problema das drogas”. Nessa época, eu acreditava que a pobreza e o crime na comunidade pobre de onde eu vim era um resultado direto do vício em drogas; então, eu raciocinei que se eu pudesse curar o vício, especialmente através de manipulações neurais, eu poderia corrigir a pobreza e o crime na minha comunidade. Mas, aprendi que enquanto a cocaína – e outras drogas recreativas – alteram temporariamente a função de neurônios específicos nos cérebros de todos que ingerem a droga, a vasta maioria dos usuários nunca fica viciada. E em relação ao pequeno percentual dos indivíduos que ficam viciados, doenças psiquiátricas coexistentes e fatores socioeconômicos são responsáveis por uma proporção substancial desses casos de vício. Até hoje, não foi identificado substrato biológico que diferencie pessoas não viciadas de indivíduos viciados. 


A noção de que o vício em drogas é uma doença cerebral é cativante, mas vazia: praticamente não há dados em humanos indicando que o vício é uma doença do cérebro, da mesma maneira que, por exemplo, Huntington ou Parkinson são doenças do cérebro. Com essas doenças, é possível olhar o cérebro de indivíduos afetados e fazer previsões precisas sobre a doença envolvida e seus sintomas. 

Não estamos perto de sermos capazes de distinguir os cérebros de pessoas viciadas daqueles de indivíduos não viciados. Apesar disso, a perspectiva do “cérebro doente” tem uma influência grande no financiamento e direcionamento da pesquisa, assim como o uso e o vício em drogas são vistos na sociedade. Por exemplo, o recém-lançado e multimilionário estudo longitudinal Adolescent Brain Cognitive Development (https://addictionresearch.nih.gov/abcd-study) busca primariamente por dados de neuro-imagem para melhor entender o vício entre adolescentes. O estudo coleta informações genéticas e mensura o uso de drogas e resultado acadêmico, mas falta uma consideração de importantes fatores sociais. Notavelmente, nunca houve um financiamento ambicioso como esse focado em determinantes psicossociais ou consequências (por exemplo, estado empregatício, discriminação racial, características do bairro, políticas) do uso ou vício em drogas. 

Essa situação contribui para política de drogas prejudiciais, custosas e irrealistas. Se o real problema com o vício em drogas, por exemplo, é a interação entre a droga em si e o cérebro do indivíduo, então a solução desse problema está entre uma de duas abordagens. Remover as drogas da sociedade através da polícia e aplicação das leis (por exemplo, sociedades livre de drogas) ou focar exclusivamente no cérebro ‘viciado’ do individuo como o problema. Em ambos os casos, não há necessidade ou interesse em entender o papel de fatores socioeconômicos na manutenção do uso de drogas ou mediando o vício em drogas. 

Os efeitos prejudiciais de usar a aplicação da lei como um meio primário de lidar com uso de drogas são bem documentados. Milhões são presos anualmente por posse de drogas e a abominável prática de racismo floresce na aplicação de tais políticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a posse de maconha foi responsável por quase metade das 1,5 milhão de prisões relacionadas às drogas, e negros são quatro vezes mais prováveis de serem presos por posse de maconha do que brancos, mesmo que ambos os grupos usem maconha em taxas similares.

Uma insidiosa premissa da teoria do cérebro doente é que qualquer uso de certas drogas é considerado patológico, até mesmo o uso recreativo, não problemático que caracteriza a experiência da grande maioria daqueles que ingerem essas drogas. Por exemplo, em uma popular campanha americana antidroga, é implicado que apenas um uso de metanfetamina é suficiente para causar danos irrevogáveis: http://www.methproject.org/ads/tv/deep-end.html.

Nos anos 80, o uso de crack foi culpado por tudo desde extrema violência até altas taxas de desemprego, mortes prematuras, e abandono de crianças. Até mais assustador, o vício na droga era dito que ocorria apenas após um único uso. Especialistas em drogas com vertentes em neurociência se manifestaram. “A melhor maneira para reduzir a demanda”, o professor de psiquiatria da Universidade de Yale Frank Gawin, foi citado na revista Newsweek (16 de Junho de 1986), “seria Deus redesenhar o cérebro humano para mudar a maneira como a cocaína reage com certos neurônios”.     

“Neuro-observações” sobre drogas com nenhum fundamento em evidência eram perniciosas: elas ajudaram a moldar um ambiente no qual havia um objetivo irrealista e injustificado de eliminar certos tipos de uso de drogas a qualquer custo para marginalizar cidadãos. Em 1986, o Congresso dos Estados Unidos passou uma legislação definindo penalidades que eram literalmente 100 vezes mais duras para violações relacionadas ao crack (pedra de cocaína) do que para o pó de cocaína. Mais de 80% daqueles sentenciados por ofensas relacionadas ao crack eram negros, apesar do fato de que a maioria dos usuários era branca. Hoje, muitos acham as leis referentes a pedra/pó de cocaína repugnantes porque elas exageram os efeitos danosos do crack e são aplicadas em uma maneira racialmente discriminatória, mas poucos examinam criticamente o papel exercido pela comunidade científica apoiando as premissas subjacentes a essas leis.

Por sua parte, a comunidade científica tem ignorado a vergonhosa discriminação racial que ocorre na aplicação das leis referentes às drogas. Os próprios pesquisadores são esmagadoramente brancos e não têm de viver com as consequências de suas ações. Eu não tenho esse luxo. Todas as vezes que eu olho para meus filhos ou volto para o local que passei minha juventude, sou forçado a lidar com a dizimação resultamte da discriminação racial que é tão desenfreada na aplicação das leis referentes às drogas e é instigada por argumentos com uma fraca base em evidências científicas.

Não podemos mais permitir que neuro exageros determinem nossas prioridades de financiamento e rumo da pesquisa em drogas, moldem nossas visões nem nossas políticas de drogas. As apostas são muito altas e o custo humano é incalculável. 

Informações sobre o autor
Carl L. Hart é o professor Dirk Ziff e diretor do Departamento de Psicologia, e Professor no Departamento de Psiquiatria na Universidade de Columbia, em Nova York.
 
 

sábado, 4 de março de 2017

Eventos adversos na manipulação ou mobilização da coluna cervical

por Felipe Nogueira

Um estudo publicado em janeiro deste ano revisou os eventos adversos após manipulação ou mobilização* da cervical [1]. Foram incluídos 144 estudos, com 227 casos de eventos adversos identificados:
  • Em 66%, os eventos adversos ocorreram após um quiroprata.
  • Em 95% dos casos, houve manipulação da cervical*. 
  • A dissecção da artéria cervical foi relatada em 57% dos casos!
*Manipulação envolve movimentos de alta velocidade e pequena amplitude, sem controle do paciente. A mobilização envolve movimentos de baixa velocidade que podem ser evitados pelo paciente [2]. Referências: 1 . Kranenburg HA, et al. Adverse events associated with the use of cervical spine manipulation or mobilization and patient characteristics: A systematic review. Musculoskelet Sci Pract. 2017 Jan 23;28:32-38. doi: 10.1016/j.msksp.2017.01.008. [Epub ahead of print] https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28171776 2. Sran M, Khan K. Spinal manipulation versus mobilization. CMAJ. 2002 Jul 9; 167(1): 13–14. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC116626/