sexta-feira, 13 de abril de 2018

O Presente Mais Profundo de Hawking à Física

por Sean Carroll
fonte: NY Times
tradução: Felipe Nogueira

Stephen Hawking se foi, mas ele deixou algo incrivelmente precioso: um enigma intricado e frustrante, e que os cientistas lutarão para solucionar nos próximos anos. O enigma do Dr. Hawking é uma peça importante da talvez maior pergunta na física atualmente: como podemos conciliar a gravidade com a mecânica quântica?

Os anos iniciais do século XX presenciaram duas incríveis revoluções científicas. Uma foi a teoria da relatividade. Liderados por Albert Einstein, os físicos descartaram o espaço e tempo absolutos de Isaac Newton e os substituíram por um contínuo e unificado espaço-tempo quadridimensional. São as dobras e ondulações do espaço-tempo, descobriu Einstein, que dão origem ao que experimentamos como a força da gravidade.

A outra revolução — até mais profunda que relatividade — foi a mecânica quântica. Quando examinamos o comportamento de partículas sub-atômicas, descobrimos que elas não podem ser descritas com a linguagem precisa da física clássica. Em vez disso, as partículas sub-atômicas aparecem como ondas de probabilidades e o melhor que podemos fazer é calcular a chance de uma específica medição retornar um ou outro resultado.

Gradualmente, tudo que sabemos sobre o mundo físico foi sendo colocado dentro da mecânica quântica. O comportamento da matéria, eletricidade e magnetismo, e as forças sub-atômicas funcionando dentro do núcleo de átomos — tudo encaixou elegantemente no paradigma quântico.

A única exceção é a gravidade. Por razões técnicas e conceituais, a visão de Einstein do espaço-tempo curvado vem resistido teimosamente à conciliação com as regras da mecânica quântica. A busca por uma teoria que unifique os dois paradigmas  uma teoria da "gravidade quântica" — é talvez o projeto mais ambicioso na física teórica moderna.

"Teórica" é uma palavra importante nesse contexto, porque é praticamente impossível fazer experimentos que diretamente revelem qualquer coisa sobre a gravidade quântica. A mecânica quântica se revela na escala sub-atômica, enquanto a gravidade se torna perceptível apenas quando temos massas astronomicamente grandes. Não há situação facilmente acessível onde as duas são importantes ao mesmo tempo.

É aqui que Stephen Hawking aparece. Quando experimentos reais são elusivos, nos voltamos para experimentos de pensamento. Na década de 1970, Dr. Hawking descreveu a mãe de todos os experimentos de pensamento, um que mantem os físicos acordados a noite.

O experimento de pensamento de Hawking começa com um buraco negro. De acordo com a relatividade de Einstein, um buraco negro é uma região de espaço-tempo onde a gravidade se tornou tão forte que nada consegue escapar. Mas o Dr. Hawking se perguntou como que partículas quânticas se comportam na vizinha de tal objeto. Afinal, a mecânica quântica é uma teoria de probabilidades; talvez o impossível de acordo com Einstein seja possível no mundo quântico.

E, de fato, é possível. Os cálculos do Dr. Hawking relevaram, como ele colocou de forma maliciosa, que "buracos negros não são tão negros". Eles na realidade emitem um contínuo feixe de partículas, conhecidas como radiação Hawking. Essas partículas carregam fragmentos da massa do buraco negro, que então evaporará completamente, um fenômeno conhecido como evaporação Hawking. 

Então, este é o experimento de pensamento: jogue um livro em um buraco negro. O livro carrega informação. Talvez a informação seja sobre física ou a trama de um romance — pode ser qualquer tipo de informação. Mas até onde sabemos, a radiação Hawking que sai do buraco negro é a mesma independente do que entrou no buraco negro. A informação é aparentemente perdida — para aonde que foi?

Então, temos o "enigma da perda de informação em buracos negros", talvez o presente mais profundo do Dr. Hawking para a física. Em questão está o destino do princípio da conservação de informação. Sem a relatividade geral, a mecânica quântica prevê que a informação é preservada; de forma similar, sem a mecânica quântica, a relatividade geral prevê que a informação é preservada, mesmo que alguma parte fique escondida no buraco negro. É, então, estranho que a junção das duas teorias acarrete no desaparecimento da informação.

Por um longo período, Dr. Hawking argumentou, contra a intuição de outros líderes na física, que a informação é simplesmente apagada do buraco negro e que teríamos que aprender a lidar com isso. Mas eventualmente ele mudou de ideia (algo que ele sempre fazia com vontade), concedendo em 2004 que a informação está provavelmente retida na radiação que sai do buraco negro. A questão, no entanto, está muito longe de estar resolvida.

O experimento de pensamento da perda da informação do Dr. Hawking é maior pista que temos de como a gravidade quântica deve operar. Mesmo não tendo uma teoria completa ainda, sabemos muito sobre a mecânica quântica e sabemos muito sobre a gravidade. Isso é suficiente para nos convencer que radiação Hawking é real, mesmo que nunca tenha sido observada diretamente. Isso significa que qualquer teoria da gravidade quântica terá de explicar de alguma forma como a informação escapa do buraco negro ou como é destruída.

A radiação do buraco negro e o enigma da perda da informação certamente não são as únicas contribuições do Dr. Hawking à física moderna. Voltando ao alicerce mais firme da relatividade clássica, ele provou uma série de teoremas fundamentais sobre o comportamento de buracos negros e expansão do universo. De forma mais especulativa, Dr. Hawking e o físico James Hartle propuseram uma candidata para a "função de onda do universo", o estado quântico descrevendo toda a realidade. No meio termo, Dr. Hawking fez contribuições para perguntas profundas como a origem da estrutura do universo e se é possível construir uma máquina do tempo (Não é, ele argumentou).

Ele fez isso tudo em adição, é claro, ao seu alcance a uma audiência popular compartilhando com ela sua paixão pela física e os mistérios do universo. Dr. Hawking foi um cientista extraordinariamente influente, assim como um ser humano corajoso e determinado. Eles nos deixou muita coisa para pensar.              
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Sean Carroll (@seancarroll) é um físico teórico no Instituto de Tecnologia da Califórnia e autor do livro The Big Picture: On the Origins of Life, Meaning, and the Universe Itself.       

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